Um relatório divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), com apoio da Hutukara Associação Yanomami (HAY), expõe a grave situação enfrentada pelas crianças e adolescentes Yanomami devido à invasão garimpeira em sua terra indígena. O estudo, lançado na quarta-feira (15), revela que, entre 2019 e 2022, período de auge da atividade ilegal, foram registradas pelo menos 570 mortes de crianças causadas por doenças tratáveis e evitáveis, como desnutrição, malária, pneumonia e infestações parasitárias.
A atividade ilegal de garimpo tem causado sérios problemas socioambientais, principalmente pela contaminação dos rios com mercúrio e a ocupação dos territórios indígenas, impactando a caça, coleta e manutenção de roças. Paralelamente, houve a desestruturação do sistema de saúde na região, deixando a população desamparada. O povo Yanomami, formado por aproximadamente 31 mil pessoas, ocupa a maior terra indígena do Brasil, com 390 comunidades distribuídas em 9,6 milhões de hectares nos estados de Roraima e Amazonas. Em 2023, o Governo Federal declarou Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional no território. Desde então, mais de 7,4 mil ações integradas de combate ao garimpo foram realizadas, e o número de profissionais de saúde na área foi triplicado, com a reabertura ou inauguração de diversas unidades de atendimento. O relatório alerta que, apesar dos esforços, os desafios persistem, e foi lançado
às vésperas da COP 30, que terá foco na Amazônia.
A antropóloga Ana Maria Machado, uma das autoras do relatório, destaca que a situação de saúde é um ciclo crônico e sistêmico, ligado à invasão garimpeira. Ela explica que, onde há garimpo, há malária, dificultando o trabalho nas roças e levando à fome e desnutrição, agravadas pela destruição da floresta e a consequente diminuição da caça. Dados de 2022 mostram que, de 4.245 crianças Yanomami acompanhadas pelo serviço de Vigilância Alimentar e Nutricional, mais da metade, 2.402, estavam abaixo do peso por desnutrição. Os casos de malária, entre 2019 e 2022, ultrapassaram 21 mil em crianças de até cinco anos de idade, valor próximo ao acumulado nos dez anos anteriores. Em quatro anos, 47 crianças Yanomami morreram por causa da doença, quase sete vezes mais do que nos quatro anos anteriores. As doenças respiratórias também são um fator importante de mortalidade, com 187 óbitos infantis registrados entre 2018 e 2022, muitas vezes evoluindo de síndromes gripais simples devido à baixa imunidade e ao contato com garimpeiros e pessoas de fora. A cobertura vacinal, que era de 82% em 2018, caiu para 53% em 2022.
O garimpo ilegal também é responsável pela contaminação dos rios por mercúrio, substância proibida no Brasil. Laudos da Polícia Federal, de 2022, indicam que amostras de água dos rios Uraricoera, Parima, Catrimani e Mucajaí apresentam níveis de mercúrio muito acima do aceitável para consumo humano. Mesmo com a desintrusão dos garimpeiros, a presença de mercúrio no ambiente seguirá contaminando por anos, causando danos ao sistema nervoso central, afetando o desenvolvimento infantil e provocando má formação fetal. Grupos ilegais se aproveitam da vulnerabilidade da população Yanomami, utilizando dinheiro, armas, bebidas alcoólicas e drogas para cooptar jovens para o trabalho no garimpo, além de explorar sexualmente meninas. O relatório descreve relatos de meninas abusadas em troca de pagamento e de mulheres que se prostituem por comida.
O estudo "Infância e Juventude Yanomami: O que significa ser criança e os desafios urgentes na Terra Indígena Yanomami" destaca que 75% da população da terra indígena tem menos de 30 anos, demonstrando a importância de olhar para essa parcela da população. O relatório ressalta que esse período é marcado por liberdade, autonomia e participação comunitária. As crianças crescem na floresta com suas famílias, aprendendo com os pais e participando das atividades da comunidade. A antropóloga Ana Maria Machado explica que a comunidade Yanomami tem uma rede de cuidados mais densa do que a do mundo ocidental, com liberdade e autonomia para as crianças. O antropólogo Marcelo Moura, coautor do relatório, complementa que a estrutura dos modos de vida Yanomami pode ser desestruturada pelas influências do mundo não indígena, com conflitos intergeracionais e adaptações às novidades. Gregory Bulit, chefe de emergências do UNICEF no Brasil, conclui que os objetivos do relatório são servir como referência atemporal e fonte de pesquisa, além de ajudar organizações e profissionais a entender as particularidades para trabalhar com e para essas populações.
O relatório aponta que a proteção territorial, contra o garimpo e outras atividades que ameacem a floresta e o modo de vida indígena, é fundamental para proteger o povo Yanomami. O documento também pede que os desenvolvedores de políticas públicas trabalhem com as associações Yanomami e ouçam as crianças e adolescentes, garantindo água limpa, educação, assistência de saúde de qualidade e segurança, para que possam se desenvolver em uma terra livre de invasores.
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