O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, recebeu líderes mundiais em Belém para a primeira cúpula climática na Amazônia, onde ambientalistas esperam que ele se posicione como um defensor da floresta e de seus povos. No entanto, com uma administração dividida, um Congresso hostil e instintos desenvolvimentistas do século 20, o líder de centro-esquerda enfrenta um ato de equilíbrio ao defender a proteção da natureza e a redução das emissões.
Na abertura da cúpula, Lula afirmou que sua prioridade é o desenvolvimento social, mas que a humanidade precisa fazer uma transição energética e deter a perda de florestas. Ele declarou: “Estou convencido de que, apesar de nossas dificuldades e contradições, precisamos de roteiros para – de forma justa e planejada – reverter o desmatamento, superar a dependência de combustíveis fósseis e mobilizar os recursos necessários para esses objetivos.”
Essas dificuldades e contradições têm sido evidentes nos últimos meses. O governo anunciou progressos impressionantes na redução do desmatamento, mas também impulsionou projetos que abririam a Amazônia ao extrativismo. As notícias positivas indicam que a devastação florestal na Amazônia brasileira caiu 50% nos três anos do terceiro mandato de Lula. Os dados governamentais anuais mais recentes mostram a menor área desmatada em 11 anos, impulsionada em grande parte pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que aplicou medidas rigorosas contra
invasões de terras, exploração madeireira ilegal e mineração ilegal. Como resultado, o Observatório do Clima estima que as emissões do Brasil – que são determinadas principalmente pela saúde de suas florestas – caíram 16,7%, possivelmente a queda mais acentuada entre as economias do G20.
Esses avanços foram o foco principal quando Lula buscou o apoio de mais nações para a iniciativa brasileira na COP30: a Tropical Forest Forever Facility, que visa arrecadar US$ 125 bilhões para a proteção de florestas. Até agora, a iniciativa levantou cerca de US$ 5,5 bilhões, com investimentos de US$ 3 bilhões da Noruega, US$ 1 bilhão cada do Brasil e da Indonésia, e quantias menores de Portugal, Holanda e outros países. O dinheiro é urgentemente necessário para evitar o crescente perigo de que a maior floresta tropical do mundo entre em declínio irreversível, transformando-se em savana e perdendo suas funções globais de estabilização climática, transporte de água e provisão de habitat.
Cientistas renomados alertaram que isso já está acontecendo em vastas áreas da Amazônia, especialmente nos estados do Mato Grosso, onde houve uma rápida expansão das plantações de soja, e do Pará, onde a principal causa de destruição é a indústria da carne. O enfraquecimento da floresta também foi acelerado por incêndios (amplamente utilizados para desmatamento) e contaminação de rios com mercúrio (usado na mineração de ouro). Antônio Donato Nobre, cientista de sistemas terrestres que trabalhou na Amazônia por 20 anos, disse que a floresta já mostra sinais de colapso. Ele afirmou que as secas são cada vez mais severas, as temperaturas em algumas áreas desmatadas aumentaram em até 7°C e a degradação está acelerando, mesmo com a diminuição do desmatamento.
Isso representa uma ameaça global, não apenas por causa da redução da capacidade de sequestro de carbono, mas porque uma floresta tropical mais fraca significa menos cobertura de nuvens para refletir o calor do sol de volta ao espaço, o que é potencialmente uma ameaça de aquecimento maior do que os gases de efeito estufa. Nobre afirmou que a primeira cúpula climática na Amazônia foi uma oportunidade para colocar a natureza no centro das soluções climáticas, mas também poderia ser um desastre se os líderes apenas fingissem a importância da floresta, enquanto impulsionam projetos destrutivos. “Minha principal mensagem é levar a sério”, disse ele. “A empresa mais bem-sucedida do planeta se chama vida. Temos em nossas mãos uma tecnologia que tem 4 bilhões de anos e passou por múltiplos ciclos de destruição, renascimento e reparo.”
Lula, no entanto, depende do apoio dos setores de agronegócio e mineração para manter o poder. Políticos “ruralistas” dominam o Congresso, controlam vários ministérios e estão impulsionando uma agenda extrativista agressiva que vai contra a conservação florestal. Esse grupo de pressão é agora a força motriz na política brasileira. Embora Lula tenha vetado alguns de seus planos mais radicais para erradicar grandes áreas de requisitos de licenciamento ambiental, ele também pareceu mais do que disposto a apoiar outros elementos de sua agenda para dividir a Amazônia e outros biomas para a produção de combustíveis fósseis e monoculturas.
Há três semanas, seu governo aprovou licenças de perfuração para exploração de petróleo e gás na Foz do Amazonas, na costa da floresta, uma medida que aumenta os riscos de contaminação enfrentados pela floresta, aumenta a probabilidade de destruição da vegetação por indústrias relacionadas e vai contra o conselho da Agência Internacional de Energia de que será impossível atingir as metas do acordo de Paris de limitar o aquecimento global, a menos que os países interrompam completamente o desenvolvimento de novos combustíveis fósseis.
Além disso, há os planos do governo para modernizar a rodovia BR-319 entre Manaus e Porto Velho, o que exercerá uma pressão sem precedentes sobre as regiões ocidentais da Amazônia brasileira, que até agora têm sido uma das últimas regiões saudáveis da floresta. Outra grande área intacta está próxima da fronteira noroeste com a Venezuela, mas também está ameaçada por planos para permitir a mineração industrial no território indígena Yanomami.
“Estamos muito preocupados”, disse Ehuana Yaira Yanomami, que veio a Belém para relatar os medos das mulheres de sua comunidade. “Não queremos que nosso povo sofra, estamos muito preocupados e é por isso que estamos nos manifestando, porque a mineração ilegal só traz sofrimento às nossas comunidades. Queremos ver nossos filhos saudáveis, sem lama e sem que os peixes sejam contaminados.”
Mais ao sul, o governo anunciou no final de agosto que iria “desestatizar” as hidrovias federais de três grandes rios – Tapajós, Madeira e Tocantins – o que é visto como um primeiro passo para sua privatização e transformação em uma rota de transporte hidroviário para soja transportada do Mato Grosso.
Lula, que começou sua carreira política como negociador sindical, tem tendido a se concentrar mais nos benefícios sociais que podem vir do aumento do investimento na Amazônia, ao mesmo tempo em que contorna os riscos muito maiores que a crise climática representa para seus residentes humanos e não humanos. Isso ficou evidente na semana passada em uma turnê de divulgação pré-COP30 pelas comunidades florestais ao longo do rio Tapajós. Na aldeia Vista Alegre do Capixauã, do povo Kumaruara, o presidente disse que estava pronto para defender aqueles que protegem as florestas e prometeu melhorar a saúde, educação e moradia locais. Isso estava muito de acordo com um dos objetivos declarados do Brasil na cúpula: tornar a proteção social uma base de resiliência. No entanto, durante as partes de sua visita abertas à imprensa, Lula não fez uma única menção ao clima, embora essa seja uma preocupação crescente para os moradores locais – e para a grande maioria da população mundial.
O chefe de uma aldeia vizinha, Luis Antonio Bentes de Sousa, disse ao The Guardian que grande parte do rio secou durante a seca recorde do ano passado, deixando as comunidades locais presas e lutando para se alimentar. Ele disse que sua horta murchou, a maioria de suas árvores frutíferas morreu e, pela primeira vez em seus 70 anos de vida, ele não conseguiu cultivar mandioca, o principal alimento da dieta amazônica. “Está ficando mais quente e seco”, disse ele. “Estou preocupado com meus filhos e netos.” Outros falaram sobre mortes em massa de peixes devido ao calor, contaminação e baixos níveis de água, e expressaram receios de que isso piore quando o rio de que dependem for privatizado e transformado em um canal para barcaças de soja.
Esses tópicos desconfortáveis – e suas soluções politicamente difíceis – não foram levantados durante os discursos até o final da visita de Lula, quando a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, pediu o microfone e lembrou ao presidente o motivo de estarem na Amazônia naquele mês. “A COP30 é um lugar para dizermos que o Brasil fará sua parte, eliminando o desmatamento. E o mundo precisa fazer sua parte, reduzindo as emissões de carvão, petróleo e gás. É por isso que gosto quando, senhor, o senhor diz que é necessário parar de depender de combustíveis fósseis.” Isso foi um lembrete de que em Belém, Lula – como muitos líderes mundiais – terá um bom anjo da floresta em um ombro e um demônio dos combustíveis fósseis no outro. A questão é qual prevalecerá.
📝 Sobre este conteúdo
Esta matéria foi adaptada e reescrita pela equipe editorial do TudoAquiUSA
com base em reportagem publicada em
The Guardian
. O texto foi modificado para melhor atender nosso público, mantendo a precisão
factual.
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