O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, apelidou a COP30 de COP das florestas. O evento, que ocorrerá em Belém, no coração da Amazônia, marca uma mudança significativa, saindo das capitais de países ricos em petróleo e indo para a maior floresta tropical do mundo. Contudo, mesmo com Belém sediando as negociações climáticas globais, a Amazônia e sua costa enfrentam novas ameaças. Enquanto a atenção se volta para a proteção das árvores, novas concessões de petróleo estão sendo concedidas, mantendo as plataformas em operação. Em 11 de novembro, dezenas de manifestantes indígenas invadiram o local da COP30, exigindo o fim do desenvolvimento industrial na Amazônia. Os líderes indígenas presentes na COP30 pedem maior participação na gestão das florestas. Em meio a essa tensão, uma nova iniciativa financeira surge como possível solução: a Tropical Forest Forever Facility (TFFF). Gerenciada pelo Banco Mundial como um fundo fiduciário multilateral, a TFFF mobilizaria US$125 bilhões de investidores públicos e privados para recompensar países com florestas pela manutenção das mesmas – para sempre. A proposta é atraente: salvar florestas, obter lucros e mitigar as mudanças climáticas de uma só vez. Mas a proposta levanta duas questões que exigem análise: Essa iniciativa realmente fará diferença para o clima e como ela impactará as comunidades que vivem nas florestas?
A primeira questão é mais fácil de responder. Sim, as
florestas tropicais armazenam enormes quantidades de carbono, então protegê-las é crucial. No entanto, essa contribuição depende em grande parte de manter a temperatura global abaixo de 2°C e é ofuscada pelas emissões geradas se os combustíveis fósseis enterrados sob essas mesmas florestas forem extraídos e queimados. Dos 74 países com florestas que se qualificam para a TFFF, 68 possuem depósitos de combustíveis fósseis. Ao todo, segundo um estudo da ONG Leave It In The Ground, haveria cerca de 317 bilhões de toneladas de emissões potenciais de dióxido de carbono de reservas recuperáveis e mais de 4,6 trilhões de toneladas se todos os depósitos fossem explorados. Quase tudo isso está concentrado em apenas três países: China, Índia e Indonésia. Para ser verdadeiramente eficaz, a proteção florestal deve vir com um compromisso firme: não extração de combustíveis fósseis por baixo. Para ser justa, um esquema semelhante deve cobrir países não pertencentes à TFFF e, em particular, aqueles com florestas boreais que cobrem grandes depósitos de combustíveis fósseis, nomeadamente Canadá e Rússia. Isso significa priorizar as florestas localizadas acima de reservas de combustíveis fósseis e garantir que permaneçam completamente fora dos limites da exploração. Para que isso aconteça, os países devem assumir compromissos vinculativos, os investidores devem aceitar retornos de menor risco, mas de longo prazo, e as comunidades locais devem ter direitos de posse florestal que não possam ser anulados pela propriedade estatal dos recursos do subsolo. É uma tarefa difícil – mas sem essa estrutura, o conceito de “floresta para sempre” corre o risco de se tornar apenas mais uma solução climática limitada.
O termo florestas para sempre evoca o slogan da empresa de diamantes De Beers – “Um diamante é para sempre” – e revela uma lógica semelhante: transformar a natureza em ativos financeiros. Um conceito mais apropriado poderia ser o que o economista de pesca Rashid Sumaila chamaria de floresta infinita – uma floresta que, como os estoques de peixes, é renovável quando bem administrada como um bem comum. Muitas das florestas do mundo não são áreas selvagens intocadas, mas paisagens co-criadas, moldadas por milênios de administração indígena e local. A Amazônia, por exemplo, é um bioma social complexo, nutrido por práticas como queima controlada, dispersão de sementes e agricultura. Embora nem todas as práticas tradicionais sejam benignas, evidências arqueológicas e ecológicas mostram que muitas comunidades indígenas e camponesas têm administrado as florestas de forma sustentável – muitas vezes de forma mais eficaz do que os programas de conservação liderados pelo Estado e com grandes implicações para a proteção da biodiversidade. Na verdade, muitos estudos mostram que a conservação da biodiversidade é mais eficaz em territórios governados por povos indígenas do que em áreas protegidas administradas pelo Estado.
Além de sua provável ineficácia para o clima, a TFFF também pode ter consequências devastadoras para as comunidades florestais. Sob a proposta atual do Brasil, os países receberiam cerca de US$4 para cada hectare de floresta protegida, com 80 centavos chegando às comunidades locais. Mas seriam multados em US$400 por hectare por qualquer desmatamento. Isso cria uma dinâmica perigosa: os estados reprimirão o uso florestal em pequena escala pelas pessoas locais, ao mesmo tempo em que darão rédea solta a indústrias – como o petróleo – que geram retornos muito maiores. Na prática, o esquema corre o risco de criminalizar as práticas florestais tradicionais – desde a limpeza em pequena escala até a caça ou coleta – que sustentaram esses ecossistemas por séculos. À medida que os governos buscam evitar penalidades, as comunidades florestais podem enfrentar exclusão, reassentamento forçado ou até mesmo violência, ecoando uma longa história de deslocamento causado por projetos de “conservação” e esquemas de compensação de carbono, como o REDD+.
Isso nos leva aos defensores indígenas e florestais que interromperam os eventos da COP30 em 11 de novembro. Seu protesto destacou o perigo real por trás da TFFF: a financeirização dos territórios indígenas. O esquema não impede a extração de petróleo e gás sob as terras florestais. O que antes eram bens comuns pode se tornar mercadorias prometendo aos investidores retornos lucrativos. Em suma, as “florestas para sempre” podem gerar lucros para sempre – não tanto para as pessoas que as protegem, mas para aquelas que exploram seu valor. Esta é, francamente,, uma nova forma de colonialismo verde – uma apropriação lucrativa do futuro da floresta. Se a TFFF for adiante, ela deve primeiro conceder algum grau de autogoverno às comunidades florestais indígenas – como a Colômbia fez recentemente – e proibir explicitamente a extração de combustíveis fósseis nas florestas protegidas. Os investidores devem pagar um prêmio pelas florestas que cobrem reservas de combustíveis fósseis, e os direitos estatais e comunitários devem ser reequilibrados para tornar as zonas de exclusão verdadeiramente vinculativas. Desta forma, as “florestas para sempre” podem se tornar territórios de vida – não ativos de acumulação. Em última análise, nenhum mecanismo financeiro salvará as florestas do mundo, a menos que também salve as pessoas que dependem delas e o carbono que deve permanecer enterrado.
O caminho para um planeta habitável não passa por mercados ou títulos, mas pela justiça: reconhecimento da administração da comunidade florestal e um compromisso global de manter os combustíveis fósseis no solo.
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Esta matéria foi adaptada e reescrita pela equipe editorial do TudoAquiUSA
com base em reportagem publicada em
Theconversation
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