Adeus à Lenda: Clara Charf, a Guerreira que Desafiou Séculos e Deixou um Legado Imortal

Ativista e viúva de Marighella, Clara Charf dedicou sua vida à democracia, direitos humanos e empoderamento feminino. Uma história de luta e resistência que inspira gerações.

A trajetória de Clara Charf, que faleceu aos 100 anos, entrelaça-se com a história da esquerda brasileira. Viúva de Carlos Marighella, a ex-militante da Ação Libertadora Nacional (ALN) deixou um legado inestimável para a democracia e os direitos humanos no Brasil. Aos 21 anos, ingressou no Partido Comunista Brasileiro, onde conheceu Marighella, seu companheiro de vida e luta, com quem foi casada até 1969, ano em que ele foi assassinado pela ditadura. Juntos, atuaram na ALN, organização de luta armada criada por Marighella para combater o regime de exceção. Após a morte do companheiro, Charf exilou-se em Cuba por dez anos, retornando ao Brasil em 1979, com a Lei da Anistia. José Dirceu, ex-ministro, recorda o tempo em que conviveu com Clara em Cuba, destacando seu papel no combate à ditadura, na redemocratização, na defesa das mulheres e na resistência à criminalização do PT. Moema Correia também conviveu com a ativista em Cuba, ressaltando sua postura admirável. De volta ao Brasil, Charf participou da fundação do PT, partido ao qual permaneceu filiada até o fim, e pelo qual disputou uma vaga de deputada estadual em São Paulo, em 1982. Na legenda, liderou a Secretaria Nacional de Mulheres e representou a sigla no Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Em 2003, criou a ONG Mulheres pela Paz, dedicada ao combate à violência de gênero e à promoção do protagonismo feminino. Sob sua liderança, o movimento articulou a indicação coletiva de mil

mulheres ao Prêmio Nobel da Paz de 2005, incluindo 52 brasileiras. O PT descreveu a trajetória de sua filiada como “um século dedicado à liberdade, à justiça social, ao enfrentamento do fascismo e à defesa intransigente dos direitos humanos”. O presidente Lula lembrou os mais de 40 anos de convivência com a amiga, destacando o que aprendeu sobre “política, solidariedade, resistência e humanidade”. Maria Marighella, neta de Charf, ressaltou o papel da avó na formação política de outras mulheres. O jornalista Mário Magalhães, biógrafo de Marighella, afirmou que a ex-militante foi uma das mulheres mais fascinantes, generosas e destemidas que o país conheceu. Eneá de Stutz e Almeida, professora da Faculdade de Direito da UnB e ex-presidente da Comissão de Anistia, reforçou a necessidade da Justiça de Transição e o direito à memória e à verdade. A viúva de Marighella também foi homenageada pelo MST. João Pedro Stedile, líder dos sem-terra, destacou a atuação política do casal, que começou a militância na ditadura Vargas. Clara Charf não possuía um comprovante oficial da união com Marighella, algo que só foi reconhecido recentemente pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Charf, que foi diagnosticada com Alzheimer, faleceu em São Paulo, na véspera do 56º aniversário da morte de Carlos Marighella. Publicado na edição n° 1387 de CartaCapital, em 12 de novembro de 2025. O texto foi escrito por Fabíola Mendonça, repórter correspondente de Carta Capital em Pernambuco.

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