Enquanto o mundo se prepara para a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) em Belém, no Brasil, uma realidade preocupante se torna evidente: o compromisso global com uma transição energética justa está em declínio. Apesar do acordo histórico na COP29 para aumentar o financiamento climático – com o objetivo de mobilizar US$ 1,3 trilhão anualmente até 2035 – as nações ricas já estão recuando de seus compromissos. Essa demonstração de má-fé surge em um momento crítico, com os custos de adaptação climática e descarbonização para os países em desenvolvimento disparando. Se o Norte Global não cumprir suas obrigações financeiras – uma perspectiva que agora parece inevitável – ele deve demonstrar solidariedade por meio de outro canal mais sustentável: o compartilhamento de conhecimento, tecnologia e propriedade intelectual (PI) que constituem a base da transição verde. Esta não é uma questão secundária que pode ser adiada. A mudança para uma economia verde está perigosamente próxima de replicar as mesmas assimetrias que há muito definem e distorcem o comércio global. Em vez de promover o desenvolvimento inclusivo, a política climática está cada vez mais sendo moldada por medidas protecionistas e regimes restritivos de PI que consolidam os monopólios tecnológicos do Norte Global. O Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM) da União Europeia, por exemplo, é apresentado como uma ferramenta para
evitar a “fuga de carbono”, mas também funciona como uma poderosa barreira comercial que pode penalizar as nações em desenvolvimento que não possuem capital para uma rápida descarbonização. Além disso, disputas comerciais recentes, como a reclamação da China contra a Índia sobre seus subsídios para veículos elétricos e baterias, revelam como as políticas industriais verdes estão se tornando uma nova fronteira para o conflito econômico. Essas tensões sinalizam uma perigosa divergência entre os imperativos urgentes da ação climática e as regras existentes da Organização Mundial do Comércio (OMC). Devemos nos perguntar: as medidas projetadas para salvar o planeta podem se tornar um novo motor de exclusão econômica?
No cerne desta crise reside um desequilíbrio marcante e familiar. Enquanto potências econômicas como China, EUA e UE produzem tecnologias verdes de alto valor – de células de bateria avançadas a software de turbinas eólicas – a maioria dos países em desenvolvimento é relegada ao papel de fornecedores de commodities verdes de baixo valor, principalmente minerais críticos. Essa dinâmica espelha desconfortavelmente a divisão do trabalho da era colonial, onde o Sul Global fornecia matérias-primas, enquanto o Norte Global controlava a inovação, monopolizava a produção e colhia a vasta maioria dos lucros. Dados da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) ressaltam a profundidade dessa divisão. Patentes verdes, que abrangem tudo, desde energia renovável até adaptação climática, estão esmagadoramente concentradas em um punhado de nações. Entre 2000 e 2024, as 10 principais economias foram responsáveis por quase 90% dos pedidos internacionais de patentes em tecnologias solar e eólica. Considere o Brasil: apesar de ocupar o sexto lugar global em capacidade eólica instalada, contribuiu com apenas 0,4% das patentes eólicas globais. Sua participação nas patentes solares foi ainda mais insignificante, 0,19%. Essa concentração tecnológica não é acidental. É o resultado deliberado de um regime global de propriedade intelectual que prioriza os lucros do monopólio em detrimento dos bens públicos globais. Os esforços para promover a coordenação, incluindo o acordo TRIPS (Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio) da OMC, falharam consistentemente em abordar essa falha fundamental. Sem acesso a tecnologias acessíveis, o Sul Global não pode participar verdadeiramente da transição climática. O sistema atual corre o risco de trancar as nações em desenvolvimento em uma nova forma de dependência – uma “maldição dos recursos verdes” – onde fornecem os minerais essenciais para as baterias e painéis solares do mundo, mas são sistematicamente impedidos de construir a capacidade industrial para fabricá-los.
O financiamento climático, embora crucial, é insuficiente para quebrar esse ciclo. Despejar dinheiro em um sistema projetado para manter monopólios tecnológicos é como pagar um resgate por suas próprias correntes. Em vez disso, a transferência de tecnologia e uma reforma fundamental do regime global de PI devem ser colocados no centro das negociações climáticas. Embora a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e o Acordo de Paris façam uma homenagem a essa ideia, pouco progresso tangível foi feito. Felizmente, temos um poderoso precedente para as mudanças necessárias. No início dos anos 2000, o Brasil liderou um movimento global que classificou com sucesso o acesso a medicamentos contra o HIV/AIDS como um bem público, desafiando o domínio das patentes farmacêuticas globais. Essa vitória foi alcançada por meio de uma potente combinação de ação legal, mobilização política e pressão da sociedade civil que forçou o mundo a priorizar a saúde pública em detrimento do lucro corporativo. Como o economista e ganhador do Prêmio Nobel Joseph Stiglitz argumenta há muito tempo, esses mecanismos são essenciais para corrigir falhas profundas do mercado e garantir o acesso equitativo à inovação que salva vidas. Esse princípio está agora ganhando força na arena climática. A Corte Internacional de Justiça, em sua recente opinião consultiva sobre mudanças climáticas, ressaltou explicitamente a obrigação de todos os estados de cooperar – além da provisão de financiamento – no desenvolvimento e difusão de tecnologias verdes, inclusive por meio do compartilhamento de conhecimento e transferências diretas de tecnologia.
O Programa de Implementação Tecnológica (TIP) acordado na COP28 oferece um mecanismo concreto para promover essa cooperação. Sob a liderança do Brasil na COP30, este programa pode ser transformado de um conceito burocrático em uma plataforma dinâmica para a justiça climática. Sua missão deve ser fortalecer os sistemas nacionais de inovação globalmente, permitindo que os países adaptem tecnologias aos contextos locais e construam capacidade indígena. O modelo é pragmático: usar uma combinação de capital público e privado para apoiar projetos-piloto em setores de difícil abate e, em seguida, escalar rapidamente aqueles que se mostrarem eficazes. Considere a produção de fertilizantes de baixo carbono. A amônia, o principal insumo para fertilizantes nitrogenados, é atualmente produzida usando hidrogênio derivado de combustíveis fósseis, tornando o setor responsável por 1-2% das emissões globais de CO2. Um piloto apoiado pelo TIP poderia financiar uma instalação em um país como o Quênia ou Bangladesh para produzir amônia usando “hidrogênio verde” de fontes renováveis. Isso não apenas reduziria drasticamente as emissões, mas também criaria uma solução escalável e adaptável localmente que reduz a dependência de fertilizantes importados e aumenta a segurança alimentar. O sucesso neste setor desafiador forneceria um modelo replicável para outros. A presidência do Brasil na COP30 representa uma oportunidade histórica para reunir o Sul Global em torno de uma visão do TIP que oferece justiça climática por meio da inovação e do empoderamento. Esta não é apenas uma agenda técnica; é profundamente política. Somente equipando todas as nações com as ferramentas e o conhecimento para construir suas próprias economias verdes podemos alcançar uma transição verdadeiramente justa. E, ao fazer isso, as nações ricas descobrirão que, ao permitir que o resto do mundo descarbonize, elas não estão apenas agindo por solidariedade – estão, em última análise, garantindo seu próprio futuro em um planeta estável e próspero.
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