A IV Conferência dos Oceanos, realizada recentemente, colocou em destaque a necessidade de envolver ativamente as comunidades costeiras na gestão sustentável dos oceanos. O investigador Paulino Dias ressaltou, durante o painel “Acesso ao Conhecimento e Dados Oceânicos – Desafios da Ciência Aberta”, que as comunidades devem participar de todo o processo de produção de conhecimento científico, não apenas como fontes de informação, mas também como beneficiárias diretas das políticas públicas. Dias enfatizou a importância de um envolvimento igualitário, onde as comunidades são vistas como atores cruciais na gestão dos oceanos, com políticas públicas baseadas em evidências científicas sólidas, e não em experiências aleatórias.
Ele mencionou exemplos africanos inspiradores, como a Guiné-Bissau, que utilizou o conhecimento tradicional para criar políticas de proteção ambiental, e o Gana, onde as comunidades pesqueiras possuem seus próprios mecanismos de organização, que funcionam eficazmente em conjunto com as instituições formais.
O projeto Vitó, liderado pelo biólogo Herculano Dinis, apresentou uma proposta para estabelecer uma nova área marinha protegida entre as ilhas do Fogo e da Brava. A escolha da área foi baseada em dez anos de monitoramento e colaboração com as comunidades locais e diversas instituições. O estudo incluiu dados sobre aves marinhas, pesca artesanal, megafauna e informações sobre tartarugas marinhas, répteis
terrestres e flora endémica. A proposta prevê uma área protegida de aproximadamente 10 mil quilômetros quadrados, abrangendo as ilhas do Fogo e da Brava, os Ilhéus do Rombo e uma montanha submarina próxima, além da criação de reservas e um parque natural na ilha Brava, a única que ainda não possui áreas protegidas. Na Brava, foram identificadas cerca de 800 espécies, muitas delas ameaçadas, e centenas de espécies marinhas na lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN). A criação de áreas protegidas visa melhorar a gestão dos recursos, regular a pesca artesanal e garantir o sustento das comunidades locais. A proposta, que recebeu apoio das comunidades locais, está agora em análise pelo Governo.
A Fundação Maio Biodiversidade (FMB) revelou que o programa de monitorização comunitária dos recursos pesqueiros na ilha do Maio já acompanha 47 espécies desde 2023, com as mulheres das comunidades costeiras desempenhando um papel central na conservação marinha. O programa, que começou com uma comunidade, já mostra resultados concretos e poderá ser expandido, com o envolvimento direto de 38 mulheres que receberam treinamento.
A técnica do Instituto do Mar (IMAR), Elísia da Cruz, abordou a variação na captura de espécies como cavala e garoupa entre as comunidades piscatórias. Ela explicou que a escassez de certas espécies varia de acordo com a comunidade, com algumas áreas quase sem peixes, enquanto outras ainda os capturam. O IMAR tem desenvolvido projetos com pescadores artesanais para coletar dados sobre suas capturas, visando dar voz aos pescadores e embasar políticas públicas. Um exemplo é o projeto-piloto de autorrelato de dados da pesca artesanal em São Vicente, que envolve o uso de aplicativos em telefones para coleta de dados. O objetivo é fortalecer a ligação entre o conhecimento científico e o saber tradicional dos pescadores.
O presidente da Biosfera, Tommy Melo, destacou que, embora os barcos estrangeiros tenham impacto negativo, a maior pressão sobre as zonas costeiras vem das comunidades locais. Melo defende uma nova abordagem de gestão sustentável, baseada na autorresponsabilização e no envolvimento direto das populações na preservação dos recursos marinhos. Ele mencionou a experiência da Biosfera em um projeto-piloto de gestão sustentável entre Santo Antão e São Vicente, que busca criar áreas de gestão de pesca especial.
A Associação Nacional dos Municípios de Cabo Verde (ANMCV) implementará um Programa de Planeamento e Ordenamento das Zonas Costeiras, visando fornecer aos municípios ferramentas para uma gestão integrada do litoral, conciliando a proteção ambiental com o desenvolvimento econômico sustentável. O presidente da ANMCV, Fábio Vieira, enfatizou a importância da participação ativa das comunidades costeiras. Ele também anunciou a criação de uma Rede de Municípios pelo Oceano, para compartilhar boas práticas e projetos. O Presidente da República, José Maria Neves, ressaltou o progresso de Cabo Verde na discussão sobre a gestão sustentável do oceano.
O texto foi originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1246 de 15 de Outubro de 2025.
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