A Carris acumulou certificações de qualidade e segurança da Associação Portuguesa de Certificação (APCER) por quase duas décadas. Contudo, essas certificações se mostraram ineficazes para corrigir as falhas na manutenção e na gestão de encomendas, que o Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e Acidentes Ferroviários (GPIAAF) identificou como fatores relevantes na tragédia. A APCER concedeu à Carris cinco certificações a partir de 2006: Gestão de Qualidade, Segurança Rodoviária, Serviço de Transporte de Elétricos, Serviço de Autocarros Urbanos e Gestão Ambiental. Entre 2023 e 2024, a empresa municipal foi submetida a novas auditorias para renovar essas certificações, sem que os erros sistêmicos mais graves fossem corrigidos. O GPIAAF criticou, em seu relatório preliminar, que, apesar de existirem evidências de ações de melhoria nos procedimentos, nenhuma não conformidade ou oportunidade de melhoria foi identificada nos últimos dois anos, nem em auditorias internas nem por auditores externos contratados. O documento protegeu a identidade da entidade certificadora, mas o Nascer do SOL confirmou que se tratava da APCER. José Leitão, presidente da APCER, afirmou que a entidade não comentaria relatórios de terceiros, especialmente os preliminares do GPIAAF. As certificações, na prática, são baseadas em muita troca de informações à distância, com pouca verificação no terreno. A APCER descreve que os locais e
atividades a serem auditados são selecionados por amostragem, garantindo uma avaliação equilibrada da conformidade. A segurança dos funiculares nunca foi avaliada pela APCER em 19 anos de auditorias à Carris. As auditorias aos sistemas de gestão, que servem de base para as certificações, não incluem inspeções. As certificações atestam qualidade e segurança através da análise de evidências objetivas, entrevistas e revisão documental, segundo José Leitão. As entrevistas não foram suficientes para detectar a violação sistemática das normas europeias pela Carris na manutenção dos funiculares. As revisões documentais não revelaram o caderno com desenhos e instruções de um antigo soldador sobre a execução das 'pinhas' de amarração às carruagens, um ponto crucial de segurança envolvido no acidente. A pinha da carruagem 1 apresentava bolhas de ar no interior, conforme revelado por radiografia de raios gama. O cabo foi encomendado e recebido por engano, algo que deveria ser impossível em uma empresa com procedimentos de aquisição certificados. O GPIAAF relata que, até 2020, a área de engenharia era responsável pela especificação dos cabos, mas depois essa responsabilidade passou para pessoal indiferenciado dos armazéns. A APCER auditou a gestão de compras da Carris, mas não identificou o problema. A entidade certificadora explica que, nas auditorias de 2024 e 2025, a revisão documental, entrevistas e verificação por amostragem foram utilizadas para analisar a aquisição e aceitação de materiais. A APCER ressalva que, por questões de confidencialidade, suas respostas ao Nascer do SOL são limitadas. Os funiculares históricos de Lisboa eram os mais inseguros do mundo devido à falta de sistemas de travagem adequados. Em nenhum outro elevador a proteção dos passageiros dependia exclusivamente do cabo, como demonstrado em estudo do professor José Pinto de Sá. Nenhum engenheiro da Carris alertou para o problema. O Centro de Apoio Tecnológico à Indústria Metalomecânica (CATIM) é reconhecido pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) desde 2003 para avaliar a segurança de instalações por cabo. Em 2008, promoveu uma conferência sobre o assunto. Em 2011, diante das dificuldades da Carris em encontrar o cabo tradicional, o CATIM deu parecer favorável à instalação de um cabo com alma em fibra têxtil, não certificado para aquela utilização, com condições especiais de vigilância. O CATIM recomendou outras alternativas, mas a Carris não as adotou devido a um erro na encomenda. Os Relatórios & Contas de 2016 e 2017 da CarrisBus, empresa do grupo Carris, relatam inspeções para análise das condições de segurança efetuadas pelo CATIM e pelo Instituto Soldadura e Qualidade (ISQ). O Conselho Diretivo do CATIM afirma que não pode compartilhar informações técnicas sobre as instalações avaliadas, exceto com os clientes, entidades oficiais competentes ou as envolvidas em sua própria certificação. O CATIM recomendou cabos e o ISQ fez inspeções eletromagnéticas, mas ambos os organismos negam qualquer responsabilidade na tragédia, pois nunca foram solicitados pela Carris para analisar a segurança estrutural do funicular. O CATIM avalia a conformidade da maioria das instalações por cabo em Portugal, mas não no Elevador da Glória. O ISQ também não apresentou sugestões de melhoria, pois o trabalho contratado restringiu-se a inspeções e emissão de relatórios, que podiam ou não ser adotados pelo cliente.
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