Tarrafal: O Silêncio Quebra Barreiras e Revela Segredos Sombrios do Passado

Uma investigação profunda desvenda as histórias por trás das grades do Tarrafal, confrontando memórias e silenciamentos, numa narrativa que desafia o esquecimento e a dor.

A jornalista e investigadora mergulha nas profundezas do Tarrafal, buscando dar voz aos últimos presos e desvendando as memórias aprisionadas em cartas, fotografias e lembranças familiares. A autora, que também é jornalista, reflete sobre como transformou essas memórias em uma narrativa histórica, sem trair a dor e a intimidade daqueles que viveram a experiência. Ela não se limita a uma narrativa histórica, mas sim, a um produto de sua investigação jornalística, complementada pela pesquisa de doutorado sobre o esquecimento no Campo do Tarrafal. O livro explora o esquecimento como tema central, considerando o Campo durante seus 39 anos de funcionamento ininterrupto como um espaço de privação de liberdade. A obra combina fatos documentados em registros oficiais com informações divulgadas pela imprensa do arquipélago durante o “verão quente” de 1974, com o objetivo de organizar os acontecimentos que contextualizam as prisões e as jornadas dos homens detidos. Além disso, o livro apresenta os testemunhos de alguns dos últimos presos entrevistados e das famílias que se mostraram dispostas a compartilhar suas experiências e as implicações que tiveram em suas vidas. Fotografias e documentos revelam existências esquecidas, marginalizadas pelos discursos oficiais. A autora também relata a dificuldade de revisitar o passado, evidenciando a dor e a falta de reparação sentidas pelas famílias afetadas. Ela questiona como um período tão curto e aparentemente

insignificante foi responsável pelo abandono de casas e terras por diversas famílias. A palavra “exílio” surge como uma explicação para as vidas transformadas naquele meio ano. O livro “O Campo do Silêncio” demonstra que a repressão persistiu em Cabo Verde mesmo após o 25 de Abril. A autora não busca explicar esse aparente paradoxo, mas sim, ressalta a complexidade das contradições na transição para a independência. Em 2024, uma cerimônia comemorativa reuniu chefes de Estado de países afetados pela prisão de Chão Bom, simbolizando uma legitimação transnacional da confusão institucionalizada. O 25 de Abril não teve o mesmo significado em Cabo Verde que em Portugal, e a libertação dos presos políticos em 1º de Maio de 1974 não marcou o início da liberdade e da democracia no arquipélago. O livro foi escrito com o objetivo de adicionar memória ao Campo do Tarrafal, resgatando nomes, fatos e histórias, documentando um tempo de privação de liberdade negligenciado. A escrita da autora combina investigação histórica e narrativa jornalística, e ela destaca como o jornalismo influenciou sua abordagem ao tema do silêncio e do esquecimento. A autora é movida pelos fatos e pela percepção de que há múltiplos aspectos a serem considerados na história do Tarrafal. Em Portugal, a memória do Tarrafal como local de repressão começou a ser construída logo após o surgimento da democracia, destacando os nomes daqueles que lutaram contra a ditadura. Em Cabo Verde, a ausência do Tarrafal de 1974/1975 da memória coletiva não é um esquecimento, mas um silêncio imposto, com a consolidação da hegemonia passando pela comemoração dos libertadores. A autora enfatiza que o Tarrafal é um espaço de privação de liberdade, questionando quem foram os homens presos, por que, como e quando foram detidos e libertados. Ela ressalta a importância de despolitizar a questão e olhar para o Tarrafal na perspectiva da memória, admitindo a coexistência de múltiplas verdades. A candidatura do Campo a Patrimônio Mundial da Humanidade levanta a questão de como registrar “outros Tarrafais” que podem ser desconsiderados, e a autora espera que se derrubem alguns muros para que o Tarrafal possa respirar liberdade. Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1248 de 29 de Outubro de 2025.

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