A JBS, a maior empresa de carne do mundo, está supostamente impulsionando o desmatamento ilegal, a apropriação de terras e as violações dos direitos humanos na Amazônia brasileira. A acusação é de um novo relatório da Human Rights Watch, que aponta que a empresa compra gado de fazendas que operam em áreas protegidas. O relatório, com 86 páginas, divulgado na quarta-feira, foca no estado do Pará, onde a ONU realizará a cúpula climática COP30 no próximo mês. A investigação destaca uma falha na cadeia de suprimentos da JBS: a empresa não rastreia seus fornecedores indiretos de gado. Os investigadores descobriram que o gado criado em terras desmatadas ilegalmente é movimentado por meio de um sistema de "lavagem" que oculta suas origens antes de chegar à JBS. Isso impede a empresa de garantir que seus produtos de carne ou couro não contribuam para o desmatamento e abusos relacionados. Segundo Luciana Téllez, pesquisadora sênior de meio ambiente da Human Rights Watch, sem um sistema melhor para rastrear o gado, a JBS continuará "incapaz de erradicar fazendas de gado ilegais". O que a JBS não sabe pode torná-la responsável por financiar fazendas ilegais que destroem a Amazônia, explicou Téllez. "Não podemos dizer com 100% de certeza que o gado que a JBS comprou de seus fornecedores diretos é o mesmo que vem de fazendas de gado ilegais, mas a JBS também não pode", disse Téllez à Al Jazeera. "Esse é um problema, porque eles são responsáveis pelo
que estão comprando." O relatório, divulgado na quarta-feira, faz parte de um crescente número de estudos que analisam o impacto da agricultura na Amazônia. A construção de fazendas e áreas de cultivo é considerada a maior causa direta de desmatamento nas regiões tropicais do mundo. A Amazônia não é exceção. Nos últimos anos, a pecuária surgiu como a principal responsável pela destruição de suas florestas tropicais. O estado do Pará é fundamental na luta contra a perda florestal. Ele registra consistentemente os maiores níveis de desmatamento na Amazônia brasileira desde 2016. Só em 2024, 17.195 quilômetros quadrados de floresta no estado foram degradados, um aumento de 421% em relação ao ano anterior, de acordo com a Human Rights Watch. O estado também registra o segundo maior número de conflitos de terra no Brasil, com invasores ilegais, agricultores e grupos criminosos buscando invadir terras protegidas. Para as comunidades indígenas e tradicionais que consideram a Amazônia seu lar, essas invasões têm sido devastadoras. Os moradores viram suas plantações destruídas, a floresta queimada e suas vidas desestruturadas. Em alguns casos, membros da comunidade foram até mesmo ameaçados, atacados ou mortos após denunciarem as invasões de terras. Embora a lei federal proíba essa atividade, alguns invasores conseguiram registrar fraudulentamente a floresta tropical protegida como propriedade privada. O relatório documentou invasões em duas áreas protegidas: a Terra Indígena Cachoeira Seca e a Área de Desenvolvimento Sustentável Terra Nossa. "O nível de violência e intimidação por parte dos invasores em Terra Nossa é realmente assustador, e a impunidade absoluta que eles desfrutaram por anos é espantosa", disse Tellez à Al Jazeera. A Human Rights Watch informou que a Agência de Defesa Agropecuária do Pará (Adepará) registrou fazendas em ambas as áreas. A agência também autorizou o transporte de gado dentro e fora das duas áreas. De acordo com o relatório, a Adepará afirmou que historicamente não foi encarregada de observar critérios ambientais ao autorizar os movimentos de gado. Mas, com a aprovação da agência estadual, a Human Rights Watch afirmou que o gado foi criado ilegalmente dentro das zonas protegidas da floresta tropical e, em seguida, transferido para outras fazendas. De lá, eles poderiam chegar a grandes abatedouros, incluindo instalações da JBS. Cada transferência ajudou a obscurecer a origem ilegal do gado, efetivamente lavando os animais no comércio de carne. Parte do problema, de acordo com a Human Rights Watch, é o sistema brasileiro de rastreamento de gado. O Brasil não mantém históricos completos de animais individuais. Em vez disso, seus movimentos são documentados com "guias de trânsito animal", conhecidas como GTAs. Essas guias coletam informações sobre remessas gerais de animais: o número de cabeças de gado envolvidas, além de dados sobre o sexo e a idade dos animais no grupo. Mas, sem um registro individual para cada vaca, bezerro e touro, é difícil, senão impossível, rastrear suas origens. Em um documento apresentado em abril à Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos, a JBS reconheceu as falhas no sistema GTA de rastreamento de gado. "Como resultado, não pode haver garantia de que os procedimentos de monitoramento disponíveis possam garantir que a origem de qualquer cabeça de gado esteja em total conformidade com as leis aplicáveis", escreveu a JBS. A empresa prometeu exigir que seus fornecedores declarem seus fornecedores até 2026. No entanto, a Human Rights Watch afirma que ainda não está claro como essas informações seriam verificadas ou aplicadas. "A melhor solução é que o próprio governo federal institua um mecanismo de rastreabilidade para o gado em todo o Brasil", disse Téllez. "O governo brasileiro está se movendo nessa direção, mas está indo extremamente devagar." A JBS também fez um compromisso semelhante há mais de uma década e meia. Em 2009, a empresa assinou o Acordo G4 Cattle com o grupo ambientalista Greenpeace, prometendo identificar todos os seus fornecedores indiretos até 2011. A empresa não cumpriu o prazo. "É inaceitável que empresas como a JBS não tenham cumprido as promessas que fizeram no passado", disse Cristiane Mazzetti, coordenadora da campanha florestal do Greenpeace Brasil, à Al Jazeera. "É algo que agora os governos precisam refletir e regulamentar de forma mais rigorosa, porque apenas acreditar em compromissos corporativos voluntários não vai funcionar." A JBS não respondeu à solicitação de comentários da Al Jazeera. Mas a reforma pode estar no horizonte. Em 2023, o governador do Pará introduziu um decreto exigindo que todos os movimentos de animais no estado sejam totalmente rastreáveis até o final de 2026. Em nível federal, o Ministério da Agricultura anunciou um plano semelhante em dezembro de 2024, determinando que todos os estados implementem sistemas de rastreamento até 2032. No entanto, a Human Rights Watch adverte que esse cronograma é muito lento e pode permitir que a pecuária ilegal persista por anos. Especialistas e grupos de defesa afirmam que o Brasil deve tomar medidas imediatas, inclusive tornando os dados da GTA publicamente acessíveis. Tais medidas ajudariam as agências de aplicação da lei a identificar movimentos fraudulentos e rastrear o gado de volta a fazendas ilegais. "As empresas lutam com a rastreabilidade, em primeiro lugar, porque têm acesso mínimo a dados públicos sobre a cadeia de produção", disse Lisandro Inakake, agrônomo da organização ambientalista brasileira Imaflora. Ele acrescentou que a luta é agravada "porque não existem requisitos universais de mercado que cubram todas as operações das empresas". Embora a Human Rights Watch tenha pedido que a JBS comece voluntariamente a rastrear o ciclo de vida de seu gado, Mazzetti, a ativista do Greenpeace, acredita que uma ação mais decisiva é necessária para impedir o desmatamento. "Não é hora de novas promessas", disse ela. "É hora de ser responsabilizado por todos os impactos que sua cadeia de suprimentos gerou na Amazônia, em outros ecossistemas e também no clima."
📝 Sobre este conteúdo
Esta matéria foi adaptada e reescrita pela equipe editorial do TudoAquiUSA
com base em reportagem publicada em
Aljazeera
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