BELÉM, Brasil, 20 de novembro (IPS) – A apenas 30 minutos de onde as negociações climáticas da ONU estão acontecendo, na cidade portuária de Belém, comunidades afrodescendentes travam uma luta intensa pelo reconhecimento total e titulação legal de seus territórios ancestrais. A segurança e os meios de subsistência dessas comunidades são ameaçados por empresas que desejam instalar aterros sanitários contaminantes e por cartéis de drogas. Uma viagem de barco pela vasta bacia amazônica leva o visitante para dentro da floresta. A Amazônia, com seus estimados 5,5 a 6,9 milhões de quilômetros quadrados, é a maior floresta tropical do mundo, abrangendo oito países. Nela, encontram-se os quilombos, comunidades fundadas por descendentes de africanos que escaparam da escravidão, defendendo seus direitos por gerações. Na América Latina e no Caribe, essas comunidades podem ser conhecidas por diferentes nomes, mas todas compartilham histórias afrodescendentes. Mais de 130 milhões de pessoas na América Latina se identificam como afrodescendentes, descendentes daqueles que foram trazidos à força para as Américas durante o tráfico transatlântico de escravos. No Brasil, Equador, Colômbia e Suriname, essas comunidades detêm coletivamente direitos reconhecidos de gestão sobre quase 10 milhões de hectares, ou quase 24 milhões de acres, de terra. A Amazônia é o cenário da luta pelo reconhecimento total e titulação legal de seus territórios ancestrais
, conforme garantido pela Constituição brasileira de 1988.
A IPS conversou com Fábio Nogueira, líder da comunidade Menino Jesus Quilombola, lar de 28 famílias, sobre suas lutas e sucessos. “Sem títulos, os quilombolas estão expostos à invasão e ao deslocamento por grandes empresas, pecuaristas, fazendeiros e grileiros.” Alarmantemente, gangues criminosas têm como alvo as comunidades quilombolas e seus líderes para atividades ilegais. O aumento da vigilância e apreensão de drogas nas rotas diretas da América Latina para a Europa transformou a Amazônia em um corredor de drogas. No Brasil, os traficantes usam os 'rios de cocaína', ou rios de cocaína, comprometendo a segurança dos quilombolas ao longo da floresta amazônica. Rios importantes e áreas remotas em muitos territórios quilombolas servem como “corredores de cocaína” para o tráfico de drogas. A falta de presença do Estado e a ausência de titulação de terras tornam essas comunidades alvos fáceis.
Atualmente, a floresta amazônica também é palco de uma intensa luta contra aterros sanitários ou locais para descarte de resíduos. Nogueira afirma que os aterros na Amazônia causam problemas significativos, incluindo a contaminação do solo e da água com metais pesados e outras toxinas, além da liberação de gases de efeito estufa como o metano. “Estamos atualmente a 15 quilômetros do aterro de Marituba e ele ainda polui nosso ar e meio ambiente. Agora, querem trazer um aterro a apenas 500 metros de nossa comunidade. O aterro terá 200 hectares. Estamos dizendo não aos aterros e temos um caso na justiça”, disse Nogueira. “A comunidade quilombola Menino Jesus está em disputa judicial. Estamos resistindo ao projeto de aterro proposto.” O projeto foi planejado sem o reconhecimento de sua existência ou do impacto que teria sobre eles. A Defensoria Pública do Pará entrou com uma ação judicial e recomendou a suspensão do projeto, citando que a terra é pública e faz parte da área tradicionalmente ocupada e reivindicada pela comunidade há vinte anos.
Se o Estado brasileiro mantiver o ritmo atual de regularização fundiária dos territórios quilombolas, serão necessários 2.188 anos para titular totalmente os 1.802 processos atualmente abertos no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. O ritmo lento da titulação afeta negativamente a preservação da floresta. Apesar de dois estudos indicarem que os quilombolas desempenham um papel crucial nas soluções climáticas, sua luta contínua por reconhecimento básico dificulta a garantia de seus direitos ou o acesso ao financiamento climático em espaços formais, como a COP30, de acordo com Malungu, coordenador das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará, que representa e defende as comunidades quilombolas no estado. Dois estudos recentes indicam que a titulação é um fator determinante para o sucesso dos quilombos na proteção da Amazônia, e os territórios titulados mantêm 91% de suas florestas, enquanto os territórios não titulados preservam 76%.
“Alarmantemente, os territórios autodeclarados que ainda não possuem certificação (necessária para iniciar o processo de titulação) tiveram uma taxa de perda florestal 400% maior do que a dos territórios titulados, destacando a urgência do reconhecimento para deter a degradação.” Durante a COP30, uma visita aos dois quilombos — Menino Jesus e Itaco-Miri — na floresta amazônica demonstra a importância da titulação de terras comunitárias. Isso ilustra como essa titulação aumenta o bem-estar dos povos afrodescendentes em toda a Amazônia e como a posse segura da terra contribui para as metas climáticas por meio da absorção de carbono, proteção florestal e preservação da biodiversidade por meio da agricultura tradicional. Ao longo de seis gerações, as comunidades quilombolas se destacam como guardiãs e conservadoras da biodiversidade da floresta amazônica, utilizando práticas sustentáveis transmitidas por gerações. Os territórios Menino Jesus e Itacoã-Miri e outras terras de comunidades afrodescendentes 'possuem alta biodiversidade e carbono irrecuperável e foram associados a uma redução de 29 a 55% na perda florestal em comparação com os locais de controle'. Ainda assim, as comunidades entregam melhores resultados com a segurança da posse. Dados importantes do Estudo sobre Territórios Quilombolas na Amazônia Brasileira do Instituto Social Ambiental mostram que, embora os quilombos enfrentem desafios significativos na posse da terra, aproximadamente 47% dos quilombos mapeados não possuem sequer delimitação básica ou fixação de limites, e mais de 49% das comunidades nem sequer passaram da primeira etapa. Enquanto isso, eles se destacam em seu desempenho de conservação. Eles preservaram quase 92% dos territórios quilombolas mapeados, incluindo florestas e vegetação nativa. De 1985 a 2022, esses territórios perderam apenas 4,7% da cobertura florestal original, em comparação com 17% de perda em áreas privadas.
Mas o reconhecimento político tem se movido muito mais lentamente do que o reconhecimento científico. Pouco antes da COP30, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou as comunidades afrodescendentes de Menino Jesus e Itacoã-Miri, perto de Belém, Pará, como parte de uma agenda de reuniões preparatórias para a conferência climática COP30. Foram necessárias 30 COPs para uma descoberta histórica, pois a COP30 incluiu o termo 'pessoas de ascendência africana' nos rascunhos dos textos de negociação da convenção climática da ONU pela primeira vez. Essa inclusão é um passo significativo para reconhecer formalmente essa população na política climática global. O termo 'pessoas de ascendência africana' foi incorporado em documentos preliminares, incluindo os relacionados à Transição Justa e ao Plano de Ação de Gênero. Isso nunca havia acontecido na história do sistema da convenção climática da ONU, que muitas vezes foi mais técnico e menos focado em direitos humanos e justiça racial. A Declaração de Belém sobre o Combate ao Racismo Ambiental é um compromisso político ao qual 19 países aderiram na cúpula de líderes antes do início da COP30. O texto reconhece a exposição desproporcional de pessoas de ascendência africana, povos indígenas e comunidades locais aos danos ambientais e aos riscos climáticos. Essa declaração é um acordo internacional que busca promover um diálogo global sobre a interseção da igualdade racial, mudança climática e justiça ambiental. A declaração reconhece as crises globais ecológica e de justiça racial como interligadas e propõe ações cooperativas para superar as desigualdades históricas que afetam o acesso aos recursos ambientais. Seus objetivos incluem o reforço dos direitos humanos e da justiça social na política ambiental, a ampliação do escopo da igualdade no desenvolvimento sustentável e a construção de um futuro mais equitativo para todos. Coelho Teles, da comunidade quilombola, disse à IPS que não está ciente desse reconhecimento porque eles foram “deixados de lado. Não sabemos como nos envolver e participar da COP30.” O Brasil identificou florestas e oceanos como prioridades gêmeas e lançou o Tropical Forests Forever Facility, liderado pelo Brasil, na COP30, buscando compensar os países pela preservação de florestas tropicais, com 20% dos recursos reservados para povos indígenas. A ciência mostrou que as comunidades mantêm as florestas em pé. Para que o Tropical Forests Forever Facility alcance os resultados desejados, aqueles nos territórios quilombolas dizem que seu reconhecimento e participação precisarão ser significativamente maiores.
Relatório do Escritório da IPS na ONU © Inter Press Service (20251120101909) — Todos os direitos reservados. Fonte original: Inter Press Service
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Esta matéria foi adaptada e reescrita pela equipe editorial do TudoAquiUSA
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