O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) planeja testar, a partir de dezembro, uma inteligência artificial (IA) que tem potencial para diminuir em até dez vezes o tempo médio de análise de pareceres em processos de saúde. Apesar da projeção de expansão nacional até 2027, o modelo — desenvolvido pela USP com o suporte da Amazon Web Services (AWS) — enfrenta incertezas orçamentárias para sua continuidade após o término do apoio da big tech à fase inicial do projeto. A empresa disponibilizou aproximadamente US$ 350 mil (equivalente a R$ 1,9 milhão no câmbio atual) em créditos computacionais e infraestrutura, essenciais nos treinamentos e testes iniciais da ferramenta. O acordo foi firmado entre o CNJ e o InovaHC, núcleo de inovação do Hospital das Clínicas da USP, que, por sua vez, confiou ao Instituto de Matemática e Estatística (IME-USP) a responsabilidade pelo desenvolvimento do modelo. O termo de cooperação da parceria prevê automatizar até 80% da triagem das ações de saúde, reduzir em 80% as tarefas administrativas manuais e centralizar 80% das demandas judiciais em uma única plataforma até agosto de 2027. Em uma interface similar a um chat, o juiz poderá, por exemplo, questionar se determinado medicamento é apropriado para uma doença, recebendo informações técnicas e jurídicas sobre o assunto. Atualmente, essa análise leva, em média, 20 dias. A meta é diminuir o prazo para até 48 horas, conforme o professor do IME João Eduardo Ferreira
. "Os dois dias seriam para os casos mais complexos. Caso contrário, a expectativa é quase imediata", diz. A IA utilizará dados do e-NatJus, plataforma do CNJ que reúne notas técnicas do SUS para auxiliar nas decisões judiciais. Dados do Painel Justiça em Números, do CNJ, revelam um crescimento contínuo no volume de novos processos judiciais relacionados à saúde nos últimos anos. Foram 352 mil casos em 2020, 406 mil em 2021, 470 mil em 2022 e 577 mil em 2023. Em 2024, o total atingiu 690 mil ações. Até setembro de 2025, já havia mais de 513 mil novos processos. O CNJ selecionou o Tribunal de Justiça de Santa Catarina para testar a nova IA. "Fizemos a escolha devido aos magistrados que já colaboram conosco na análise de processos e participam do comitê gestor do e-NatJus", explica a conselheira Daiane Lira. Ainda não há definição sobre a seleção dos juízes participantes, nem sobre a forma de treinamento. O plano de trabalho prevê "capacitar 100% do público envolvido de forma remota". O projeto não gera custos para o CNJ, segundo Lira, que enfatiza o caráter experimental da parceria. "Não há nenhuma obrigação do CNJ em arcar com qualquer custo em relação ao armazenamento desse sistema. Nosso compromisso com o InovaHC é que não pode haver custos operacionais", afirma. "Se o produto envolver um custo, o CNJ tomará uma decisão, mas isso não é objeto do acordo", declara. A expansão nacional prevista no acordo de cooperação entre CNJ e InovaHC exigirá novos recursos e planejamento financeiro. A validação do piloto será crucial para definir se o conselho adotará o modelo em larga escala, de acordo com Giovanni Cerri, presidente do conselho do InovaHC. "Se, após a validação desse algoritmo, o CNJ considerar que o piloto traz benefícios, os possíveis custos dessa tecnologia recairão sobre o CNJ. Mas isso não tem relação com a AWS nem com qualquer empresa privada", diz. O diretor para o setor público da AWS Brasil, Paulo Cunha, descreve a participação da big tech no piloto como uma contribuição cujo retorno está na "aceleração de mercado" e na disseminação de tecnologias de IA. "Com um projeto como esse, você capacita muitos profissionais e demonstra que a inteligência artificial generativa pode ser aplicada em qualquer ambiente. É um investimento de longo prazo", afirma. O Brasil possui instituições que poderiam apoiar a operação contínua do modelo, como o Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados), o DataSUS (Departamento de Informação e Informática do Sistema Único de Saúde) e a Prodesp (Companhia de Processamento de Dados de São Paulo), conforme Ferreira, do IME. "O modelo precisará ser atualizado constantemente, talvez não diariamente, mas pelo menos com versões mensais, porque tanto a medicina quanto o direito estão em constante evolução", explica o professor. A AWS informa que, caso os recursos fornecidos acabem antes da conclusão do piloto, "há a possibilidade de novos aportes de créditos para garantir a continuidade das operações". A empresa também declara que, ao final do projeto, as equipes do IME e da AWS poderão definir estratégias de migração para outras infraestruturas, como as do setor público, para a continuidade da iniciativa. Projetos que utilizam IA generativa em áreas críticas, como saúde e Justiça, frequentemente geram preocupações sobre possíveis "alucinações" — quando o sistema cria informações falsas ou sem base factual. Os desenvolvedores asseguram que o modelo não gera novas análises, mas sim sintetiza pareceres técnicos existentes, indicando a fonte de cada trecho consultado. Para isso, combina duas tecnologias complementares. A primeira é o uso de um SLM (small language model, ou modelo de linguagem pequeno), focado exclusivamente em informações sobre ações de saúde. Por ser mais específico e enxuto, tende a apresentar menos erros e operar com menor custo. A segunda é o RAG (retrieval-augmented generation, ou geração com busca integrada), mecanismo que faz a IA consultar documentos oficiais — como as notas técnicas do e-NatJus — antes de formular uma resposta. Juntas, elas prometem respostas baseadas em evidências, sem criar novos conteúdos. "Se eu especializo o modelo, ofereço o que é relevante e reduzo o ruído", comenta o professor do IME. Os pesquisadores esclarecem que o projeto está em conformidade com a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados). Quando há dados pessoais, o material passa por anonimização, com a remoção de nome, endereço e outros identificadores.
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Esta matéria foi adaptada e reescrita pela equipe editorial do TudoAquiUSA
com base em reportagem publicada em
Folha
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