A recente iniciativa de Donald Trump, que instituiu a “Semana do Anticomunismo” nos Estados Unidos, pode parecer apenas mais uma ação simbólica. No entanto, a coincidência com a eleição de Zohran Mamdani para a prefeitura de Nova York, a quem Trump rotulou de “comunista lunático”, revela um cenário mais complexo. Entre a capital federal e a cidade mais cosmopolita do país, o antigo fantasma do comunismo ressurge, agora como um elemento de teatro eleitoral.
A vitória de Zohran Mamdani, parlamentar nova-iorquino e membro dos Democratic Socialists of America, causou impacto no establishment político e acendeu o alerta na direita americana. Ao conquistar a prefeitura da cidade símbolo do capitalismo global em novembro de 2025, Mamdani se tornou o novo alvo de Donald Trump. Em uma publicação em rede social, o ex-presidente o descreveu como “100% comunista lunático”, prometendo “diversão” com o novo prefeito – uma ironia que demonstra o desespero da direita diante de uma esquerda jovem, articulada e vitoriosa. Em um discurso na Flórida, Trump chegou a afirmar que “Miami poderá se tornar o refúgio dos que fogem do comunismo de Nova York”, invertendo a retórica da Guerra Fria: o comunismo, agora, estaria em Manhattan, e o exílio da liberdade, em Miami.
Poucos dias após a vitória progressista em Nova York, a Casa Branca divulgou uma proclamação designando a semana de 2 a 8 de novembro de 2025 como “Semana do Anticomunismo”. O documento
acusa o comunismo de ter “ceifado mais de 100 milhões de vidas” e alerta que “novas vozes repetem velhas mentiras, disfarçando-as no idioma da justiça social e do socialismo democrático”. Trata-se de um texto com forte valor simbólico, mas com pouco impacto institucional, embora de grande efeito retórico. Ao criar uma “semana temática”, o presidente estabelece um palco discursivo onde as divergências políticas se transformam em batalhas morais, e os oponentes progressistas, em inimigos da civilização. O objetivo é claro: reviver o fantasma do comunismo como ferramenta de mobilização eleitoral, em um país que enfrenta desigualdade crescente, violência política e desinformação sistêmica.
A coincidência temporal entre a eleição de Mamdani e a proclamação anticomunista não é acidental. O discurso da Casa Branca menciona “novas vozes da justiça social” – um recado direto à esquerda urbana, multicultural e inclusiva que prospera nas grandes metrópoles americanas. Em vez de direcionar suas críticas a Cuba, China ou Rússia, Trump volta suas armas retóricas contra um inimigo interno: os movimentos progressistas domésticos, os sindicatos, as universidades e qualquer voz que defenda a redistribuição de renda, a transição verde ou os direitos das minorias. O “anticomunismo”, nesse contexto, é uma máscara, um pseudônimo da intolerância, adaptado para a era digital e orientado pelo medo.
Proclamar uma “Semana do Anticomunismo” nos Estados Unidos do século XXI é uma forma de demonstrar poder, não de exercer governo. Trump sabe que o comunismo real não ameaça Wall Street; o que está em risco é o avanço do debate sobre tributação progressiva, salário mínimo, regulação financeira e justiça climática. A retórica anticomunista, portanto, cumpre uma função dupla: distrai sua base e disciplina seus aliados. A comunicação política de Trump transforma o medo em método: ao retratar cada reformista como revolucionário, ele converte o debate econômico em guerra cultural. Esse é o mesmo mecanismo que alimenta o trumpismo desde 2016 – um populismo identitário disfarçado de defesa da liberdade.
O anticomunismo de Trump vai além de um reflexo ideológico: é uma estratégia cuidadosamente elaborada. Desde o início de seu primeiro mandato, ele elegeu como “inimigos do mundo livre” países que, coincidentemente, também são concorrentes econômicos dos Estados Unidos. A China é apresentada como o epicentro do “mal comunista”, mas, ao mesmo tempo, é o maior parceiro comercial dos EUA e líder global em tecnologia verde, semicondutores e transição energética. A cruzada contra a Venezuela demonstra a instrumentalização da narrativa anticomunista. A administração Trump justificou ataques navais no Caribe, com operações contra embarcações venezuelanas com ligações com o grupo Tren de Aragua, resultando em várias mortes. Além disso, os EUA aumentaram a recompensa por informações que levassem à prisão de Maduro, acusado de “um dos maiores narcotraficantes do mundo”. A Venezuela detém as maiores reservas de petróleo comprovadas do planeta, fato que lhe confere um potencial estratégico imenso. A retórica anticomunista serve como cobertura simbólica para sanções, controle de exportações e pressão sobre o regime venezuelano.
Cuba continua sendo o exemplo conveniente de resistência, usado para justificar bloqueios e demonstrar fidelidade à extrema-direita da Flórida. A Rússia, embora não seja comunista há décadas, é novamente descrita como herdeira de um império vermelho. Essa lista de inimigos revela que a cruzada anticomunista de Trump não tem base ideológica, mas econômica: ela legitima sanções, pressiona concorrentes e mantém o controle sobre o comércio global de energia, tecnologia, minerais raros e alimentos. A narrativa da “justiça contra o comunismo” serve como pretexto para intervenção econômica e energética, com o petróleo como prêmio e a força militar como instrumento. A retórica do “mundo livre” funciona como cortina de fumaça para a disputa real – a luta por hegemonia econômica num sistema internacional em transformação. O “anticomunismo” não é o objetivo final, mas o meio para reorganizar os recursos, os mercados e a geopolítica energética em benefício dos EUA. É um disfarce para o protecionismo e a guerra por mercados, mascarado de moralismo político.
A “Semana do Anticomunismo” é mais do que uma decisão presidencial: é um retrato da América dividida. Revela um país onde as palavras perderam seu significado histórico e se tornaram instrumentos de intimidação. Se na Guerra Fria o anticomunismo justificava intervenções externas, hoje serve para deslegitimar conquistas internas – direitos trabalhistas, igualdade racial, justiça social. O teatro é grotesco, mas eficaz: ele mobiliza ressentimentos, reforça identidades e mantém a base trumpista em constante estado de guerra simbólica. Enquanto isso, a esquerda, rotulada por Trump de comunista, busca reconstruir, nas cidades e nos parlamentos, um projeto social capaz de restaurar o sentido da democracia americana. O medo é o último refúgio daqueles que não têm um projeto. E, nesse teatro, o público começa a perceber que o monólogo do medo já não convence.
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Esta matéria foi adaptada e reescrita pela equipe editorial do TudoAquiUSA
com base em reportagem publicada em
Brasil247
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