Este artigo faz parte da cobertura da COP30 do The Quint, com o objetivo de ajudar a entender as importantes negociações climáticas. Daniel Nardin, morador de Belém, capital do estado do Pará, no Brasil, compartilha suas reflexões. “Em português, existe uma palavra para isso – obrigado. Significa mais do que um agradecimento. É assim que me sinto pela Amazônia. Afinal, depois de todos esses anos, tenho uma profunda conexão com a região”, diz Nardin, que se mudou para o Pará aos nove anos de idade, em 1994, e nunca mais saiu.
Sessenta por cento da floresta amazônica está dentro das fronteiras do Brasil. A floresta, um dos maiores sumidouros de CO2 do mundo, é crucial na luta do planeta contra o aquecimento global. Nardin relembra que sua família sobreviveu por um tempo com os bolos caseiros de sua mãe, após seu pai perder o emprego de engenheiro em São Paulo. Para ele, a mudança para o Pará foi a “melhor decisão” que seu pai tomou.
Belém, cidade de Nardin, tem sido manchete global, mas não pelos melhores motivos. A cidade sediará a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2025 (COP30) em novembro deste ano. No entanto, existe a preocupação de que muitos países, especialmente os mais pobres, não consigam participar do evento devido aos altos custos. Belém, uma cidade costeira com 1,3 milhão de habitantes, parece estar correndo contra o tempo para oferecer acomodações acessíveis para os cerca de 50.000 participantes
esperados na COP30. Os preços de hotéis e apartamentos dispararam, com diárias variando de US$ 300 a US$ 3.700.
Sharon Sarah Thawaney, pesquisadora independente de Kolkata, com foco em clima e gênero no Sul Global, adverte que, se esses países em desenvolvimento, que estão na linha de frente da crise climática, não puderem estar presentes, a COP30 corre o risco de se tornar mais uma conferência com foco em aparência.
Na visão de Nardin, a questão principal é: 'Por que falta a logística necessária?', apontando como Belém foi deixada para trás, algo que ele espera que a COP30 comece a corrigir. “Quando se pensa no Brasil, pensa-se no Rio e em São Paulo. Mas há muito Brasil que está na periferia. Mesmo os brasileiros não conhecem essa parte do Brasil.”
Aos nove anos, Nardin ficou intrigado quando soube que sua família estava se mudando para Barcarena, a cerca de 100 km de Belém. “O que vamos ver lá, o que vamos encontrar lá… talvez existam jacarés e anacondas nas ruas” – sua imaginação correu solta. Ele conta que, ao chegar à região, foi impressionado com “um monte de árvores grandes que nunca tinha visto antes”.
A Amazônia, com seus 6,7 milhões de km², é quase duas vezes maior que a Índia. Sua biodiversidade é ainda mais difícil de entender – as florestas tropicais abrigam 3 milhões de espécies de plantas e animais. A população indígena do Brasil, em rápido declínio, também vive ali, mas a área é pouco habitada.
Nardin, aos 14 anos, costumava andar de bicicleta até a Praia do Caripi com seus amigos. De sua casa em Barcarena, eram cerca de 4 km. Ele logo testemunhou o desmatamento em nome do progresso. “Primeiro vieram as estradas, mas logo começaram a desmatar a área para construir novas casas ao longo dessas estradas”, lembra.
Angustiado, Nardin escreveu uma redação sobre o corte de árvores no que antes era uma trilha para a Praia do Caripi. Seu pai “orgulhoso” imprimiu seu ensaio e o colocou em bancos, padarias e até na igreja.
Atualmente, Nardin administra uma rede de jornalistas locais e indígenas da Amazônia que desejam contar histórias sobre o clima e o meio ambiente da região. Sua empresa, Amazônia Vox, iniciada em 2023, está trabalhando em ritmo acelerado com a aproximação da COP30.
A Amazônia enfrenta hoje ameaças muito mais sérias do que quando Nardin escreveu aquele ensaio na adolescência – incêndios descontrolados, desmatamento indiscriminado e outras formas de degradação estão afetando gravemente a saúde das florestas e sua capacidade de sustentar a biodiversidade e o bem-estar humano.
Em 2024, cerca de 15% da Amazônia já havia sido desmatada, e outros 17% degradados pela atividade humana. Bernardo Flores, cientista brasileiro que estuda a resiliência dos ecossistemas, foi autor de um estudo no ano passado que mostrou que “até metade da floresta amazônica poderia atingir um ponto de inflexão até 2050” devido aos efeitos combinados da atividade humana e da crise climática global no bioma. “Isso significa que a cooperação global para descarbonizar a economia global é fundamental agora se quisermos deixar um planeta habitável”, diz ele.
Ane Alencar, diretora de ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, uma organização sem fins lucrativos em Belém, acrescenta: “Os incêndios florestais aumentaram drasticamente em 2023 e 2024, atingindo níveis recordes não vistos em mais de 40 anos de monitoramento por satélite. A perspectiva é preocupante, pois as mudanças climáticas devem trazer secas mais frequentes e intensas, criando condições ideais para incêndios”.
“A longo prazo, restaurar terras degradadas e construir economias rurais resilientes ao clima será essencial para proteger a Amazônia e seu papel vital como um dos maiores sumidouros de carbono do planeta”, acrescenta o pesquisador brasileiro.
Com a COP se aproximando, é incerto se a crise logística vai prejudicar o evento. Uma pesquisa da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) constatou que 87% dos 200 países participantes ainda não haviam reservado acomodações, citando taxas inacessíveis. O governo brasileiro, por sua vez, afirmou que 61 países já haviam garantido acomodações.
Um mês antes, o gabinete climático da ONU realizou uma reunião de emergência para tratar dessa crise. Houve também pressão sobre o Brasil – até o mês passado – para transferir a cúpula para o Rio de Janeiro ou São Paulo, que possuem melhor infraestrutura turística e são adeptos a sediar eventos de grande porte. O Brasil rejeitou a ideia.
Thawaney observa que, em uma cúpula dessa escala, o acesso deveria ser a prioridade, especialmente para os países mais afetados e menos ouvidos nas negociações climáticas. Ela acrescenta que o número de países que confirmaram presença é 79, com 70 ainda em negociação.
Então, apesar da crescente pressão – e da possibilidade real de que nações mais pobres e em desenvolvimento sejam deixadas de lado, por que o governo brasileiro liderado por Luiz Inácio Lula da Silva quer sediar em Belém? Um especialista político, que não quis ser identificado, apontou como o terreno foi preparado na COP27 em Sharm El-Sheikh, no Egito, em 2022. “Lula acabara de vencer após uma eleição acirrada, derrotando Jair Bolsonaro”, relembra.
A divisão interna no Brasil sobre sua estratégia ambiental era visível para todos. O país teve não um, nem dois, mas três pavilhões separados na COP27, representando o então governo Bolsonaro, os governadores dos estados amazônicos e a sociedade civil, respectivamente.
O presidente eleito Lula compareceu à COP, em caráter não oficial, com uma mensagem clara: 'O Brasil está de volta', acrescentou o especialista. “Nos primeiros três anos do atual governo (Bolsonaro), o desmatamento na Amazônia aumentou 73%... Os crimes ambientais, que cresceram de forma assustadora durante este governo que está chegando ao fim, agora serão combatidos implacavelmente”, disse Lula no pavilhão que representava os estados amazônicos.
Com o desmatamento da Amazônia ligado à agenda climática mais ampla de Lula, ele formalizou Belém como candidata a sediar a COP30. “Sua decisão é simbólica – como Lula disse na época, líderes mundiais, ativistas e cientistas falam sobre a Amazônia, mas nunca estiveram lá, então precisam ver o rico bioma em primeira mão”, acrescenta o especialista. Mas também é político. O governador do Pará, Helder Barbalho, é o presidente do consórcio dos governadores dos estados amazônicos, vem de uma família de políticos e tem muita influência”, explica o especialista. Para pesquisadores brasileiros, a Amazônia é uma escolha “óbvia” e que envia uma “mensagem poderosa”.
David M. Lapola, pesquisador especializado em mudanças no uso da terra, afirma que é óbvio que uma COP no Brasil teria que acontecer na Amazônia porque a matriz de emissões do Brasil é dominada pelas emissões de mudança no uso da terra – particularmente, o desmatamento. Em comparação, as últimas três COPs foram realizadas em países onde a principal fonte de emissões são os combustíveis fósseis.
Alencar diz que trazer o mundo para a Amazônia destaca essa diferença crucial e lembra que lidar com as mudanças climáticas não é apenas sobre reduzir o uso de combustíveis fósseis, mas também sobre proteger as florestas e as pessoas que dependem delas.
Thawaney, no entanto, aponta a hipocrisia. “A narrativa de oportunidade soa vazia, onde os ganhos econômicos de curto prazo arriscam perdas ecológicas ou de ecossistemas a longo prazo”, diz ela, destacando a decisão do Brasil de desmatar uma seção protegida da floresta para uma nova rodovia para a cúpula. “A Amazônia precisa ser derrubada para ser protegida? A infraestrutura da conferência exige o corte da própria floresta que pretende proteger! A COP30 corre o risco de sucumbir ao multilateralismo performático, onde a Amazônia é sacrificada para uma sessão de fotos global.”
Além das “grandes árvores” da Amazônia, o que também impressionou Nardin quando criança foi a amizade dos moradores locais. “Existem estradas e pontes agora, mas naquela época, tínhamos que pegar uma balsa de Belém para chegar a Barcarena”, lembra. Um dia, quando a família de cinco pessoas estava indo em direção ao barco, o carro quebrou. “Chove muito lá – meu pai estava tentando dirigir por uma rua alagada quando isso aconteceu”, relembra Nardin. “Mas tantas pessoas se ofereceram para nos ajudar. Uma mulher nos convidou para sua casa, fez café e disse ao meu pai que o marido dela ajudaria a consertar o carro. E ele fez. Passamos de três a quatro horas na casa deles”, conta.
Mas, apesar do espírito comunitário, Belém sofre com desafios de infraestrutura. Por exemplo, a cidade tem um dos piores sistemas de saneamento, com apenas seis em cada 10 moradores com acesso a esgoto tratado.
Antes da COP30, Belém viu pelo menos 38 projetos de infraestrutura totalizando mais de US$ 1,3 bilhão, de acordo com a mídia local. Em 3 de outubro, Lula, durante uma inspeção das obras da COP30, disse: “Cada centavo que investimos aqui pertence ao povo de Belém, e ninguém vai tirar. A COP é um evento que durará no máximo 20 dias. Depois disso, todas essas obras permanecerão para o povo do estado do Pará, para o povo da cidade de Belém.”
Seu otimismo é compartilhado por Nardin, que diz que “Belém tem recebido muita atenção por causa da COP”, o que, segundo ele, pode ser um “ponto de virada” para sua cidade.
Além de Belém, com a Amazônia em destaque, Alencar lembra: “Não é apenas uma marca e importante para o Brasil; é essencial para a estabilidade do nosso planeta. Espero que essa experiência amazônica para os líderes mundiais inspire novas soluções, acordos e abra seus olhos para as realidades locais.”
Flores acrescenta: “A curto prazo, a Amazônia precisa criar sistemas financeiros para impulsionar a restauração florestal em todo o bioma e fortalecer a capacidade de adaptação local das sociedades amazônicas. A longo prazo, o que precisamos é criar alavancas para a descarbonização global, com equidade e justiça como princípios.”
No mês passado, o Brasil anunciou que investirá os primeiros US$ 1 bilhão no Tropical Forest Forever Facility, um ambicioso fundo de US$ 125 bilhões para proteger as florestas tropicais. “Parece uma boa promessa, pois será outra forma de garantir o financiamento para as florestas tropicais”, diz Lapola. No entanto, ele ressalta a necessidade de eliminar gradualmente os combustíveis fósseis. “É importante que os líderes saibam que o desmatamento será responsável por cerca de 10% das emissões. Não estou confiante de que as florestas tropicais mitigarão significativamente as mudanças climáticas. Há um limite para a quantidade de carbono que as florestas podem absorver. Então, a grande questão a ser tratada na COP30 são os combustíveis fósseis. Vamos eliminar o petróleo?”, questiona o pesquisador brasileiro.
Enquanto isso, o Brasil está enquadrando a COP30 como a “COP da Implementação” para mudar a conversa climática global de promessas para ação. Essa afirmação não está isenta de obstáculos. Thawaney diz que o mínimo que deve ser alcançado é “não retroceder” nas negociações climáticas.
“Apesar de tudo, a COP30 ainda importa. Com a diplomacia climática fracassada definida pelo interesse espasmódico do Ocidente, a cúpula oferece ao Sul Global a oportunidade de redefinir o multilateralismo climático de uma forma que realmente funcione para os países em desenvolvimento.”
(O The Quint entrou em contato com a liderança do Brasil, incluindo Ana Toni, CEO da COP30. O artigo será atualizado assim que eles responderem.)
(Este artigo foi publicado como parte do Programa de Bolsas Danida sobre reportagem sobre o clima.)
📝 Sobre este conteúdo
Esta matéria foi adaptada e reescrita pela equipe editorial do TudoAquiUSA
com base em reportagem publicada em
Thequint
. O texto foi modificado para melhor atender nosso público, mantendo a precisão
factual.
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