A cidade de Belém, no Pará, abrirá suas portas para a COP30, a conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, que reunirá 50 mil participantes entre 10 e 21 de novembro. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva escolheu a cidade para que a conferência estivesse "o mais próximo possível do coração das questões" climáticas, mas a decisão trouxe seus próprios desafios.
É comum que as conferências climáticas da COP aconteçam em grandes metrópoles: Paris em 2015, Dubai em 2023 e Lima em 2020, por exemplo. A cada ano, o formato se repete: líderes mundiais, diplomatas, empresários, cientistas e ativistas se reúnem em um grande centro de conferências por cerca de dez dias, participando de reuniões e retornando a seus alojamentos ao final do dia. As cidades e países anfitriões aproveitam a atenção para mostrar o que fizeram para combater as mudanças climáticas.
Em 2023, quando o presidente Lula anunciou que Belém seria a sede da COP30, ficou claro que as coisas seriam diferentes. A conferência reunirá dezenas de milhares de participantes em uma cidade localizada na foz do rio Amazonas, na borda da floresta que é considerada os pulmões do planeta. Belém, um portal para a Amazônia, está situada no delta formado pelos rios Guamá e Acará. Sua história sempre esteve ligada à sua posição estratégica entre o Amazonas e o Oceano Atlântico.
A escolha de Belém para sediar a COP30 é "simbólica e política", segundo David Dumoulin, professor
de sociologia no Instituto da América Latina da Universidade Sorbonne, em Paris. "Ao escolher Belém, Lula está tentando garantir que a Amazônia e os desafios que ela enfrenta como ecossistema estejam no centro das discussões da COP30", afirma.
A localização estratégica de Belém foi reconhecida pelos colonizadores. Ana Claudia Cardoso, professora associada de arquitetura e urbanismo da Universidade Federal do Pará, explica que os portugueses colonizaram Belém em 1616 para controlar o acesso ao rio Amazonas e se proteger de invasores. Os colonizadores rapidamente exploraram os recursos da floresta, estabelecendo plantações e comercializando produtos da Amazônia, como especiarias, cereais, frutas, óleos, borracha, peixes e cacau. Belém se tornou a maior e mais importante cidade da região amazônica por séculos, com todos os produtos da floresta sendo levados aos mercados locais e, em seguida, transportados para outras regiões do Brasil, do Caribe ou da Europa.
Com a construção de uma vasta rede rodoviária em 1950, a indústria se expandiu, transformando Belém em um centro comercial da Amazônia. Vestígios desse período ainda são visíveis hoje. O Ver-o-Peso, um dos maiores mercados a céu aberto da América Latina, onde são vendidos açaí, peixe frito, frutas e castanhas da Amazônia, é uma das principais atrações turísticas da região e um pilar da economia da cidade.
Dumoulin destaca a significativa população indígena da cidade, que ajuda Lula a cumprir sua ambição de tornar a conferência deste ano a "COP do povo". Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, afirma que a COP30 terá a maior participação indígena em 30 anos de negociações climáticas. Dumoulin diz que Lula poderá mostrar a história da região e contar com a representação indígena para reforçar sua mensagem sobre a importância da Amazônia. Um grande desfile de barcos ao longo do porto de Belém está planejado para o início do evento.
Dumoulin questiona se os participantes conseguirão realmente vivenciar a Amazônia ou Belém, ou se a organização do evento ficará restrita a parte da área urbana. Cardoso está otimista, dizendo que o campus da universidade receberá 3 mil representantes indígenas e movimentos sociais de todo o mundo, com demonstrações de barco, nas ruas e atividades culturais. Belém é um lugar maravilhoso, com boa comida e cultura musical rica, o que, segundo ela, incentivará a interação.
Belém, frequentemente descrita como uma "cidade capital pobre", enfrenta diversos desafios agravados pelos efeitos das mudanças climáticas. Quase metade de seus 1,4 milhão de habitantes vive em favelas com "moradias informais, ausência de vegetação e alta densidade populacional", segundo Cardoso. Essas áreas são atingidas com mais frequência por enchentes severas, um fenômeno que os cientistas dizem estar se tornando mais intenso e recorrente devido ao aquecimento global. As ruas se transformam em rios durante as fortes chuvas, inundando bairros inteiros. Ao mesmo tempo, a cidade lida com atrasos na infraestrutura e questões de segurança.
Lula explicou que escolheu Belém para sediar a COP30 porque a cidade é diretamente afetada por muitas das questões em discussão nas negociações climáticas. Ele espera que os líderes mundiais compreendam o que está em jogo. André Corrêa do Lago, presidente da COP30, disse em julho que é uma oportunidade de mostrar como a luta contra as mudanças climáticas e a justiça climática podem melhorar a vida das comunidades, especialmente as mais vulneráveis.
A organização da COP30 em uma cidade que já enfrenta seus próprios problemas foi um desafio. Por meses, houve dúvidas sobre a realização do evento. A falta de infraestrutura fez com que os preços das acomodações disparassem, chegando a 4 mil euros por noite em alguns hotéis. Os organizadores tiveram que encontrar soluções criativas, como o uso de navios de cruzeiro transatlânticos para hospedar alguns participantes e alojamentos em quartéis do exército, escolas e motéis. A Vila da Barca, uma favela sobre palafitas, receberá 200 jovens de todo o mundo em um centro de acomodação comunitária gratuito. Com poucos dias para o evento, essas soluções parecem ter funcionado. Cerca de 159 países confirmaram presença, superando o número mínimo de representantes para aprovar decisões.
No entanto, há a questão do que será deixado para os habitantes da cidade. Belém tem sido um canteiro de obras nos últimos dois anos, com o governo federal investindo cerca de 4,8 bilhões de reais para melhorar a infraestrutura. Em agosto, a comissão organizadora da COP30 anunciou a conclusão de oito grandes projetos, incluindo a reforma do mercado Ver-o-Peso, 90 quilômetros de reparos em estradas e a construção de dois parques e estações de tratamento de esgoto. Mas há críticas dos moradores locais, que dizem que as melhorias beneficiam apenas as comunidades mais privilegiadas. Uma investigação da mídia brasileira Sumauma descobriu que uma estação de bombeamento de águas residuais construída perto da Vila da Barca atenderá apenas o bairro rico de Umarizal, e que dois parques construídos no norte da cidade também beneficiarão apenas áreas ricas, que já têm mais árvores do que a maioria de Belém.
Dumoulin observa que, como em todos os eventos globais, como as conferências da COP ou os Jogos Olímpicos, há a intenção de construir infraestrutura duradoura. Mas o objetivo principal desses eventos não é trazer justiça social, mas sim elevar as cidades anfitriãs aos padrões internacionais.
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Esta matéria foi adaptada e reescrita pela equipe editorial do TudoAquiUSA
com base em reportagem publicada em
France24
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