A Inteligência Artificial (IA), com sua natureza abrangente, tem o potencial de remodelar as hierarquias econômicas globais, oferecendo a nações menores, mas estáveis e visionárias, a chance de se destacarem na nova era digital. As previsões mais recentes do The Economist, baseadas em dados da McKinsey e Goldman Sachs, são claras: a IA impulsionará um crescimento explosivo na economia mundial, superando a taxa histórica de 1% a 3% ao ano. A adoção generalizada da IA pode adicionar vários pontos percentuais ao Produto Interno Bruto (PIB) global, alterando as cadeias de produção e abrindo novos mercados. Esta não é uma evolução gradual, mas uma mudança estrutural que redefine a divisão entre economias emergentes e desenvolvidas. A atribuição do Prêmio Nobel de Economia de 2025 a Joel Mokyr, Philippe Aghion e Peter Howitt reforçou essa realidade. Mokyr demonstrou que o crescimento sustentável é resultado de condições culturais e institucionais que favorecem a inovação, argumentando que "sociedades abertas a novas ideias e tolerantes à mudança tendem a sustentar processos inovadores por mais tempo". Aghion e Howitt desenvolveram a teoria da "destruição criativa" de Joseph Schumpeter, explicando como o progresso tecnológico substitui o antigo pelo novo, um processo que, na era da IA, atinge uma escala sem precedentes.
Vivemos, portanto, um momento em que a teoria se confirma na prática. A destruição criativa agora é exponencial. Indústrias
inteiras desaparecem em poucos meses; profissões se transformam; cadeias de valor se desmaterializam. A IA é o mecanismo mais poderoso de renovação econômica já visto. Ao mesmo tempo, o debate ético e econômico é inevitável. Daron Acemoglu, um dos autores de "Porque Falham as Nações", lembra que o verdadeiro desafio não é adotar tecnologia, mas direcioná-la. A IA só trará prosperidade se for usada para aumentar (e não substituir) a capacidade humana. O progresso precisa de direção, e essa direção é política.
Durante a preparação da minha intervenção para a Universidade de Verão da JpD, essa convicção se consolidou: a IA não é apenas uma questão tecnológica, mas também uma questão de infraestrutura, regulamentação e soberania. A economia dos algoritmos exige uma base física robusta, incluindo energia, água, cabos, data centers e segurança jurídica. Hoje, existem mais de dez mil data centers no mundo, mas apenas cerca de mil estão adaptados às exigências da IA, com arquiteturas baseadas em GPU clusters, ligações de alta largura de banda e refrigeração líquida. Cada unidade de hiperescala pode custar entre 5 e 10 bilhões de dólares, e os investimentos globais em infraestrutura de IA devem ultrapassar 200 bilhões até 2030. A revolução digital é também física, construída com concreto, aço, silício e energia.
É nesse contexto que a África enfrenta um dilema estratégico. O continente representa menos de 2% da capacidade mundial de armazenamento e processamento de dados. A falta de uma estratégia continental integrada, a dependência energética e o descompasso regulatório limitam o investimento e a soberania digital. Nenhum país africano, sozinho, tem a escala ou os recursos para ser competitivo. A resposta precisa ser coletiva, compartilhada e integrada. Nenhum país africano conseguirá ser soberano em dados se continuar a pensar isoladamente. Cabo Verde pode ser o arquipélago que os une. Entre a fragmentação africana e a concentração global, Cabo Verde pode ser o porto seguro dos dados africanos. Sua posição atlântica, estabilidade institucional e conectividade o colocam em uma posição única. Cinco cabos submarinos — EllaLink, Equiano, WACS, Share 2 e Atlantis-2 — conectam o país à Europa, África e América do Sul. Cabo Verde possui dois parques tecnológicos, dois data centers em operação e uma taxa de penetração da Internet de 93%, impulsionada pela chegada da Starlink.
A visão de Data Island não é uma metáfora de isolamento, mas uma plataforma de confiança e neutralidade digital. Cabo Verde pode servir como uma ponte entre continentes, garantindo o armazenamento, gerenciamento e distribuição de dados sob regras claras e previsíveis. Esta é uma oportunidade de posicionamento geoestratégico e econômico que pode redefinir a relevância de Cabo Verde na África e no mundo. Mas o futuro digital não dependerá apenas da infraestrutura, mas, acima de tudo, da regulamentação inteligente. O quadro legal de Cabo Verde ainda está em desenvolvimento — e isso é uma vantagem. Pode ser transformado em um instrumento de competitividade se for orientado por três princípios: liberdade, agilidade e flexibilidade. Enquanto a Europa avança em um modelo rígido e preventivo, a China impõe uma regulamentação centralizada e instrumental, e os Estados Unidos seguem um caminho liberal e experimental, Cabo Verde pode construir seu próprio modelo — adaptativo, aberto e transparente. Cabo Verde pode testar modelos de regulamentação "sandbox", atraindo empresas globais sob supervisão transparente e garantindo segurança sem prejudicar a criatividade. Este é o ponto de inflexão. A flexibilidade regulatória pode ser para Cabo Verde o que a escala é para os grandes países: a verdadeira vantagem competitiva. O futuro recompensará aqueles que conseguirem combinar confiança com inovação, estabilidade e velocidade. E se restarem dúvidas sobre a capacidade de sonhar grande, basta lembrar o feito dos Tubarões Azuis. Eles mostraram ao mundo que o tamanho de Cabo Verde não define seus limites, mas apenas o ponto de partida. O mesmo espírito que levou a seleção cabo-verdiana ao Mundial pode inspirar a construção do futuro digital de Cabo Verde: com coragem, visão e confiança. Ser uma Data Island é ser uma plataforma de confiança. Em um mundo onde a soberania será medida em bytes, Cabo Verde tem tudo para ser pequeno em território, mas grande em ambição: no esporte, na economia e no futuro digital.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1249 de 05 de Novembro de 2025.
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