Veículos blindados avançando por vielas estreitas, tiroteios intensos, helicópteros e drones armados sobrevoando, soldados em combate violento e corpos espalhados pelas ruas. Cenas de guerra, mas não em um campo de batalha distante, e sim nos arredores do Rio de Janeiro, uma cidade conhecida por suas paisagens deslumbrantes e pela bossa nova. Em 28 de outubro, a “Operação Contenção” mobilizou 2.500 policiais, soldados e atiradores para as favelas do Complexo da Penha e do Complexo do Alemão, onde vivem cerca de 110.000 pessoas. O alvo era o Comando Vermelho (CV), uma organização criminosa que controla essas comunidades há décadas.
Durante a operação, pelo menos 117 suspeitos e quatro policiais foram mortos, e cerca de 100 pessoas foram presas. As autoridades apreenderam 118 armas, incluindo 91 fuzis e 14 dispositivos explosivos, além de uma tonelada de drogas. A ação foi resultado de uma investigação de um ano sobre o Comando Vermelho e foi desencadeada, em parte, pela expansão da facção para novos territórios, um aumento recente na violência e uma tentativa das autoridades de reafirmar o controle estatal. Embora as autoridades tenham classificado a operação como um sucesso, com pelo menos 121 mortos, e relatos iniciais apontando para 132 mortes, a ação gerou críticas de grupos de direitos humanos locais e internacionais, revelando uma profunda divisão sobre como combater as organizações criminosas no Brasil.
“Não é a primeira vez que
vemos sangue sendo derramado por um ‘bem maior’”, disse Thainã de Medeiros, morador do Complexo da Penha por 35 anos, que agora é organizador comunitário e membro de um coletivo de combate à violência na favela. “Mas esse ‘bem’ nunca chega.” Medeiros conhece bem o medo que o Comando Vermelho impõe em seus territórios. “Você anda e vê pessoas carregando fuzis em cada esquina, com granadas e pistolas na sua porta”, disse ele. “Ninguém se sente seguro. E sempre há o risco de instabilidade — de outra operação como essa.”
Rafael Alcadipani, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, um grupo cívico sem fins lucrativos, explicou que as facções criminosas também “determinam quem entra e opera dentro das comunidades”. “Empresas de internet, por exemplo, precisam pagar uma taxa para oferecer serviços na área. Eles emitem permissões para as pessoas construírem casas — não o governo.” O aumento da violência, do armamento e do controle das facções nas favelas tem dificultado o acesso de autoridades e policiais a essas áreas.
“O Estado abandona essas comunidades, e as facções acabam ganhando ainda mais controle”, disse Alcadipani. As organizações criminosas brasileiras também expandiram seu alcance da economia ilegal para a política, por meio de compra de votos, violência, intimidação e financiamento de candidatos políticos, como descobriram estudos e investigações policiais, ajudando-as a se tornarem uma das facções mais poderosas da América do Sul.
Luiz Lima, deputado federal de direita representando o Rio, defendeu a operação de 28 de outubro como inevitável. “Foi uma operação necessária”, disse Lima à CNN. “O que aconteceu naquele dia — 117 criminosos mortos — acontece todos os dias no Brasil.” Ele observou que com mais de 38.000 homicídios no ano passado, “são 106 mortes por dia”. Lima insistiu que a população apoia uma postura mais dura e que a grande maioria dos moradores das favelas apoiou a operação. “As pessoas que vivem lá são extorquidas”, disse ele. “Suas lojas são extorquidas. Mulheres são estupradas por traficantes. É insuportável.”
Daniela Fichino, diretora adjunta do grupo de direitos humanos Global Justice, culpa “uma política de Estado que define toda uma população como descartável”. Ela acrescentou: “O Brasil não tem pena de morte, e ainda assim o Estado age como se tivesse — encontrando, processando e executando simultaneamente jovens, negros e pobres sob a bandeira da segurança pública”. O resultado, disse Fichino, é “um ciclo perpétuo de guerra que reforça as próprias estruturas criminosas que pretende desmantelar”.
O debate sobre soluções duradouras revela a complexidade do crescimento das organizações criminosas, que se entrelaçaram em quase todos os níveis da sociedade brasileira ao longo do tempo. O Comando Vermelho foi fundado em 1979 em uma prisão na ilha, a Penitenciária Cândido Mendes, onde criminosos comuns eram trancados com presos políticos de esquerda que se opunham à ditadura militar brasileira que governou o país de 1964 a 1985. Nas condições difíceis, o que começou como uma aliança informal para proteção logo se tornou uma rede organizada.
William da Silva Lima, um dos fundadores, passou mais de 30 anos atrás das grades após ser condenado por roubo, extorsão e sequestro. Na prisão, ele se tornou porta-voz de outros presos e negociou com as autoridades. As condições deploráveis na Cândido Mendes, conhecida pelos presos como o “Caldeirão do Inferno”, levaram os presos a se organizar em resistência, escreveu da Silva Lima em seu livro de 2010, relatando a origem do Comando Vermelho e sua participação na criação do grupo de crime organizado brasileiro. Quando os presos políticos foram libertados em 1979, da Silva Lima escreveu que membros do então chamado Falange Vermelha começaram a orquestrar fugas em massa de prisões e a investir no crescente comércio de cocaína. Em 1985, o Comando Vermelho controlava cerca de 70% de todos os pontos de venda de drogas no Rio — e as sangrentas disputas territoriais da cidade com outras facções começaram.
De acordo com Márcio Sérgio Christino, promotor de justiça criminal do estado de São Paulo e autor de um livro sobre as facções, embora o Comando Vermelho seja a facção mais antiga do Brasil, não é a maior — embora sua expansão recente mostre que o objetivo é alcançar esse objetivo. Seu principal obstáculo não é a polícia ou o governo, disse ele, mas uma facção rival: maior, melhor organizada e altamente influente na América do Sul.
O Primeiro Comando da Capital (PCC) é uma organização criminosa criada em 1993 que também teve sua origem em uma prisão — a Penitenciária de Taubaté, em São Paulo. Seus fundadores foram sobreviventes do massacre do Carandiru no ano anterior, quando 111 detentos foram mortos pela Polícia Militar. Foi somente em fevereiro de 2001 que o grupo revelou todo o seu alcance. Na “grande rebelião”, membros do PCC coordenaram revoltas em 29 prisões simultaneamente. Cerca de 27.000 presos estiveram envolvidos, deixando pelo menos 16 mortos e 77 feridos, entre os presos e policiais. No final da rebelião de 27 horas, a bandeira do PCC — preta e branca, algumas acompanhadas de cartazes feitos à mão com os dizeres “paz e justiça” — foi hasteada nas penitenciárias de São Paulo. A mensagem era clara: o Estado havia perdido o controle.
“A princípio, o foco deles era… controlar o ambiente prisional”, explicou Christino. “Então eles começaram a crescer, a se organizar, e um de seus principais pilares se tornou o tráfico de drogas.” Para obter um fornecimento de cocaína de maior qualidade, o PCC se expandiu para os estados fronteiriços do Brasil com a Bolívia e o Paraguai — duas das principais fontes de cocaína da América do Sul. Com o mercado dos EUA já dominado pelo México e pela Colômbia, os produtores de cocaína na Bolívia sem litoral se concentraram em chegar à Europa, e um acordo foi firmado. “A Bolívia concordou em vender apenas para o PCC”, disse Christino. “Em troca, o PCC cuidou do transporte, logística e vendas — para a Europa, África e além.”
Até então, o Comando Vermelho e o PCC não eram inimigos. Mas sua frágil coexistência entrou em colapso quando o Comando Vermelho, bloqueado da Bolívia, se voltou para o Peru e construiu um comércio de cocaína que opera quase inteiramente dentro do Brasil. Notavelmente, a facção passou a dominar as rotas de abastecimento através da parte norte do país, utilizando os principais rios e seus afluentes da região amazônica. A competição por essas rotas acendeu uma série de motins e massacres nas prisões do norte do Brasil, disse Christino. “Se você olhar para essas revoltas — dezenas, às vezes centenas de mortes, até canibalismo — tudo isso foi sobre as rotas”, disse ele. “Foi uma guerra territorial.”
As facções agora se confrontam pelo controle das rodovias, rios e prisões do Brasil, enquanto se ramificam para outras áreas criminosas. Um estudo de 2025 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública descobriu que facções como o Comando Vermelho e o PCC geraram 146,8 bilhões de reais (US$ 27 bilhões) em 2022 por meio do comércio ilegal de ouro, combustível, álcool e cigarros — quase 10 vezes mais do que o tráfico de cocaína, estimado em 15 bilhões de reais (US$ 2,8 bilhões). Eles também se envolvem em lavagem de dinheiro e investem em construtoras, empresas de transporte, distribuidoras de combustível e até mercados de criptomoedas para lavar bilhões de reais em lucros ilícitos.
Investigações do Ministério Público do Rio de Janeiro mostram que os líderes das facções continuam a emitir ordens de dentro das prisões — por meio de mensagens codificadas, cartas e aplicativos criptografados. Embora os detentos de alto risco tenham sido isolados em celas individuais, o fluxo de informações nunca para realmente, disse Christino. “Não existe isolamento absoluto”, disse ele. “Celulares ainda entram, e quando não entram, as mensagens viajam por meio de advogados ou visitantes. Sempre há um jeito.” Em um comunicado à CNN, a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Distrito Federal disse que “unidades de inteligência operam em estreita coordenação com outras forças de segurança e o Judiciário para monitorar os detentos ligados às facções”. Eles trabalham para determinar a posição de um detento na hierarquia e isolar os líderes “para impedir que emitam ordens”, disse a secretaria. Apesar dessas medidas, os investigadores reconhecem que as penitenciárias brasileiras continuam sendo a espinha dorsal do comando e da comunicação para suas maiores organizações criminosas — um paradoxo que o Estado luta para conter.
“A resposta militarizada do Estado só fortalece as facções”, disse Alcadipani. “Cada operação mata dezenas, mas a liderança permanece. Para cada homem que morre, outro preenche a lacuna… O que temos agora é reativo — uma guerra sem fim.” “Estávamos prestes a lançar uma parceria com a UNICEF” para ajudar os jovens das favelas a entrar no mercado de trabalho, disse Medeiros, o organizador comunitário. Feiras de carreira foram agendadas para o dia seguinte à operação mortal nas favelas do Rio. “Tivemos que cancelar tudo”, disse ele à CNN. “Honestamente, pensei que hoje estaria finalizando os detalhes para aquele dia lindo”, disse ele. “Em vez disso, estávamos limpando corpos das ruas. E agora, estamos nos preparando para o que vem a seguir.”
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Esta matéria foi adaptada e reescrita pela equipe editorial do TudoAquiUSA
com base em reportagem publicada em
Egyptindependent
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