As primeiras declarações dos principais candidatos à Presidência da República Portuguesa, em janeiro de 2026, têm levado muitos a ponderar sobre a possibilidade de André Ventura (AV), o candidato da extrema-direita, vencer as eleições. Para alguns, a principal razão reside na falta de brilho dos outros candidatos. No caso do almirante Gouveia e Melo, operacional na luta contra a COVID-19, é preciso lembrar que o país não é uma pandemia, e a política não é logística. Já tivemos um presidente almirante (na ditadura), e foi demais. Marques Mendes é uma cópia de Marcelo Rebelo de Sousa, o atual presidente. Se o cinzento pudesse falar, responderia: António José Seguro, apoiado pelo Partido Socialista. Resta o único candidato que não quer ser presidente, pois almeja mandar e conduzir, e só o cargo de primeiro-ministro lhe serve. A atenção para AV surgiu de uma jornalista perplexa com as citações do meu trabalho na tese de doutoramento de AV. Ele era a figura principal da extrema-direita, e eu, um intelectual de esquerda. Li a tese e concluí que era competente, com citações pertinentes. A tese tinha um impulso securitário, mas dentro das normas acadêmicas. Hoje, AV é o líder da oposição, uma oposição de extrema-direita a um governo de direita. A democracia portuguesa dificilmente sobreviverá à Presidência de AV. As razões envolvem a estratégia de AV e as condições que as sociedades europeias enfrentarão. A estratégia de AV não é original
. É seguida por outros líderes de extrema-direita, cópias de um líder que se tornou original pelas circunstâncias da Europa do século XX: Adolf Hitler. Apesar das diferenças, é útil comparar. AV foi um aluno brilhante, enquanto Hitler não concluiu estudos, foi rejeitado em escolas de arte e nunca quis emprego fixo. Analisando a conduta de Hitler, ele usou um receituário seguido por quem quer destruir a democracia. Hitler citava seus discursos e Mein Kampf (A Minha Luta), escrito em 1924, durante sua prisão após o golpe de Munique. Sobre a natureza humana, Hitler dizia: “Tudo o que o homem conseguiu deveu-se à sua originalidade e brutalidade.” Astúcia, mentira, distorção, crueldade eram a base da vontade. A desigualdade entre humanos e raças é lei da natureza. AV não prega o eugenismo racista, mas estabelece o portuguesismo como privilégio, sugerindo que alguns só são portugueses pela corrupção. O nacionalismo excludente naturaliza a exclusão social. É preciso eleger um inimigo e centrar nele a crítica. Para Hitler, a liderança era consolidar a atenção contra um adversário. O inimigo era o marxismo (social-democracia, comunismo) e os judeus, responsáveis por todos os males. Em 27 de fevereiro de 1926, Hitler disse: “Se necessário, um só inimigo significa vários inimigos.” Esse inimigo conspira contra a sociedade. Os judeus são a encarnação do mal. Não há nacionalismo sem racismo. Hoje, o inimigo é a esquerda e os imigrantes. O principal inimigo é o interno. A Alemanha perdeu a Primeira Guerra porque foi traída por inimigos internos. Hitler invocou o passado glorioso do império para concluir que os males vieram dos revoltosos internos. Nos anos pós-guerra, a militância comunista foi reprimida. Hitler substituiu o ódio de classe pelo apelo à cidadania racista. Para a extrema-direita portuguesa, o 25 de Abril foi uma capitulação evitável. A solidariedade negativa visa destruir o status quo. A união é para destruir, não construir. Para Hitler, o importante era a imagem, não o programa. O objetivo era mobilizar a insatisfação popular. A unidade negativa deve ser forte, construindo o passado recente como desastre. A Alemanha não perdeu a guerra; os traidores a fizeram se render. A democracia é um meio para outros fins. Hitler desprezava a democracia, liberdade de expressão, imprensa, parlamento. Precisamos de um “homem forte”. Hitler usou a legalidade como arma para desarmar democratas. O uso instrumental da legalidade pode ser descartado. A ascensão política de Hitler foi longa. Ele testava seus argumentos em reuniões. A política começou na rua. Hitler não tolerava divergências internas. Hitler instituiu a Uschla para manter o controle total. Hitler cultivou a excentricidade. A trajetória de AV mostra que ele se julga acima dos seus correligionários. Não há verdade nem mentira. Há a repetição do que nos convém até que seja verdade. Hitler aprendeu a mentir com convicção. Para Hitler, a força física precisa da força espiritual. Deve-se dizer grandes mentiras. O colapso de uma nação só pode ser evitado pela paixão. Hitler desprezava as massas. Hitler odiava a ideologia do operariado. Hitler escreveu: “Ser um líder significa ser capaz de mover as massas.” A propaganda eficaz deve limitar-se a necessidades básicas. Hitler queria ser tudo para todos. Arreou a bandeira do anticapitalismo e enviou Goering para Berlim para laços com o capital. Em 1929, Hitler era saudado pelo grande capital. Os portugueses vulneráveis encherão as urnas de votos no Chega. Se as condições do povo melhoram, nega-se ou declara-se que é precário. A Alemanha se declarou impossibilitada de pagar as indenizações de guerra, e a França ocupou o Ruhr. Hitler aproveitou a crise, juntando-a em um só diagnóstico. Em 1923, 30% dos membros do partido estavam desempregados. Hitler dizia: “Enquanto a nação não se livrar dos assassinos dentro das suas fronteiras, nenhum êxito externo será possível.” O ódio de Hitler se dirigia aos corruptos. Em 1925, a Alemanha começou a melhorar. As profecias do apocalipse deixaram de ser eficazes. Hitler passou a insistir no caráter precário das melhorias. A Grande Depressão de 1929 deu-lhe razão. Líderes de extrema-direita criam realidade artificial. A partir de 1924, a Alemanha começou a se recuperar, e Hitler sentiu que era preciso assumir posições mais centristas. A crise social foi o grande impulso para o partido. As milícias faziam agitação social. Hitler se declarava contra greves para não perder o apoio dos capitalistas. Hitler respondeu: “Claro que o deixaria em paz. Julgas que eu seria louco ao ponto de destruir a economia do país?”. Em setembro de 1930, o partido nazi teve sucesso eleitoral. A democracia portuguesa não corre perigo existencial, mas os tempos não auguram nada de bom. O crescimento da extrema-direita é um sintoma. O neoliberalismo tem destruído o bem-estar e a segurança humana. A extrema-direita se alimenta dessa passagem. Os governos não se opõem a essa destruição. A repressão e a solidariedade negativa são o DNA da extrema-direita. A democracia tem sido desfigurada e substituída pelo autoritarismo eleitoral. A extrema-direita prefere o autoritarismo eleitoral. A imigração é o caso paradigmático dessa transformação. A corrupção é endêmica ao neoliberalismo. O importante é ocultar as verdadeiras causas do mal-estar. No tempo europeu, inventaram-se dois inimigos: o imigrante e a Rússia. A invasão da Ucrânia tem razões históricas. Os europeus sabem que a guerra podia ter terminado se os EUA não tivessem impedido a assinatura do acordo de paz. O objetivo da guerra foi amputar a Europa da Rússia e bloquear o acesso da China. Os orçamentos militares aumentam à custa das políticas sociais. Os políticos europeus mentem aos seus cidadãos. Portugal é um dos países com menos tradição democrática e mais desigualdade social. A democracia sobreviverá? A história não se repete, mas os ecos do passado soam familiares.
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com base em reportagem publicada em
Brasil247
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