A infertilidade no Paquistão permanece como um dos problemas de saúde pública menos reconhecidos, mas com consequências devastadoras, afetando silenciosamente milhões de famílias. Essa questão é frequentemente envolta em estigma, desinformação e culpa, que recai principalmente sobre as mulheres. Estimativas sugerem que entre 20% e 25% dos casais paquistaneses enfrentam dificuldades para conceber, um número significativamente maior do que a média global, que varia entre 10% e 15%. Essa condição não é apenas um problema clínico, mas também uma questão social profunda, onde a infertilidade é vista menos como uma condição médica e mais como uma falha moral. As mulheres suportam a maior parte dessa culpa, independentemente da causa médica real, enquanto os homens são frequentemente excluídos da investigação, diagnóstico ou mesmo da responsabilidade. O silêncio em torno da infertilidade masculina é particularmente notável. Uma sociedade que mede as mulheres apenas pela sua capacidade de ter filhos nega a metade de sua população o direito à dignidade. Um sistema de saúde que permite que charlatães prosperem, ao mesmo tempo em que não consegue fornecer cuidados de fertilidade regulamentados, é um sistema cúmplice da exploração. Uma cultura que silencia os homens de reconhecer a infertilidade é uma cultura que perpetua a injustiça. O caminho a seguir reside na educação, regulamentação e compaixão. A epidemia silenciosa só pode ser quebrada
se as vozes forem levantadas coletivamente para exigir que a infertilidade seja tratada com a seriedade, sensibilidade e integridade médica que merece. Estudos no Paquistão e internacionalmente mostram que fatores masculinos são responsáveis por cerca de 40% a 50% dos casos de infertilidade, mas as normas culturais ditam que a virilidade de um homem é inquestionável. Como resultado, as mulheres são submetidas a testes invasivos, medicamentos agressivos e até tratamentos não regulamentados perigosos, enquanto os parceiros masculinos frequentemente evitam até mesmo uma análise básica do sêmen. Esse desequilíbrio de gênero na abordagem da infertilidade perpetua um ciclo de abuso emocional, rompimentos conjugais e, em casos extremos, violência doméstica e abandono. A pressão social sobre as mulheres que não conseguem conceber é imensa. Em muitas comunidades, a maternidade é vista não apenas como um papel, mas como a única medida do valor de uma mulher. A infertilidade pode levar à exclusão dentro das famílias, à negação de direitos de herança, a segundos casamentos e, em alguns casos, ao divórcio ou abandono. Há relatos de mulheres sendo ridicularizadas por parentes, excluídas de rituais familiares ou negadas respeito básico em suas casas. A linguagem usada em torno da infertilidade em si é frequentemente desumanizante, com termos como “banjh” ou “estéril” reduzindo as mulheres ao seu estado reprodutivo. Esse abuso psicológico agrava os desafios físicos da infertilidade, deixando as mulheres vulneráveis à depressão, ansiedade e até ideação suicida. Na ausência de acesso generalizado a cuidados de fertilidade acessíveis e regulamentados, uma indústria paralela e perigosa prosperou. Charlatães, hakeems não qualificados e autoproclamados especialistas em fertilidade lucram com o desespero de casais que desejam ter filhos. Eles comercializam misturas de ervas, tônicos ou injeções que são, na melhor das hipóteses, placebos ou, na pior, prejudiciais, frequentemente misturados com esteroides ou metais pesados que danificam o fígado e os rins. Nos centros urbanos, o aumento de clínicas de fertilidade chamativas, mas não regulamentadas, que oferecem procedimentos como inseminação intrauterina ou fertilização in vitro sem a licença adequada, criou riscos adicionais. Os pacientes pagam quantias exorbitantes sem garantias de práticas éticas, padrões de laboratório adequados ou aconselhamento honesto sobre as taxas de sucesso. O negócio da infertilidade se tornou lucrativo precisamente por causa do silêncio cultural em torno dela. Os casais frequentemente evitam hospitais públicos, onde a confidencialidade pode ser violada, e, em vez disso, recorrem a operadores privados que prometem milagres. A ausência de regulamentação governamental rigorosa permite que essas práticas floresçam sem controle, deixando famílias vulneráveis financeiramente esgotadas e medicamente prejudicadas. O abuso reprodutivo se estende além da charlatanice na forma como a infertilidade é tratada, mesmo em ambientes médicos formais. Muitas mulheres são submetidas a tratamentos hormonais repetidos sem monitoramento adequado, expondo-as ao risco da síndrome da hiperestimulação ovariana. Outras são levadas a ciclos de fertilização in vitro caros sem serem informadas sobre as taxas de sucesso relativamente modestas, particularmente em mulheres mais velhas ou com problemas de saúde subjacentes. Violações éticas, como informações incorretas sobre a qualidade dos embriões, manuseio inadequado de gametas ou mesmo o uso não autorizado de esperma ou óvulos de doadores, foram relatadas em vários contextos, destacando a falta de responsabilidade. A falta de apoio psicossocial no tratamento da fertilidade agrava ainda mais os resultados, pois os pacientes raramente são orientados sobre estratégias de enfrentamento, comunicação conjugal ou caminhos de vida alternativos quando o tratamento falha. Narrativas religiosas e culturais também desempenham um papel significativo na formação da forma como a infertilidade é vista e gerenciada no Paquistão. Embora o Islã não estigmatize a infertilidade e permita a intervenção médica dentro de limites éticos, as interpretações culturais locais frequentemente distorcem essa perspectiva. Algumas famílias pressionam as mulheres a visitar santuários, realizar rituais espirituais ou consumir “água benta” como solução, ao mesmo tempo em que resistem à consulta médica. Outros manipulam a retórica religiosa para justificar a poligamia ou segundos casamentos sob o pretexto de garantir a prole. Essas distorções reforçam ainda mais a natureza de gênero da infertilidade, reforçando a ideia de que a incapacidade de uma mulher de conceber é uma justificativa para sua substituição. O custo econômico da infertilidade também é significativo. Um único ciclo de fertilização in vitro no Paquistão pode custar entre 400.000 e 600.000 rúpias, um valor que está fora do alcance da maioria das famílias, onde a renda mensal média pode não ultrapassar 50.000 rúpias. Com as taxas de sucesso frequentemente em torno de 30% a 40% por ciclo, muitos casais desistem após o esgotamento financeiro ou continuam pedindo dinheiro emprestado e vendendo bens na esperança de ter um filho. Enquanto isso, o dinheiro gasto com hakeems e charlatães não regulamentados, muitas vezes por anos, raramente resulta em qualquer resultado positivo. Essa exploração financeira é sobreposta à cobrança psicológica, deixando as famílias mais pobres, mais angustiadas e, em muitos casos, ainda sem filhos. O sistema de saúde não está preparado para lidar com essa epidemia. Os hospitais públicos frequentemente carecem de clínicas de fertilidade especializadas ou endocrinologistas reprodutivos treinados. Investigações básicas como análise de sêmen ou perfil hormonal são indisponíveis ou de má qualidade em muitas instalações públicas. Isso força os casais a procurar atendimento em centros privados, onde os custos são proibitivos. Além disso, há pouca mensagem de saúde pública sobre a infertilidade como uma condição médica. A maioria das campanhas públicas se concentra no controle populacional, em vez da saúde reprodutiva como um todo. O silêncio sobre a infertilidade reforça o estigma, fazendo com que os casais se sintam isolados e envergonhados, em vez de apoiados. Abordar a infertilidade no Paquistão requer mudanças sistêmicas em vários níveis. Primeiro, deve haver educação pública generalizada para desmantelar mitos. As campanhas devem enfatizar que a infertilidade é uma condição médica que pode afetar homens e mulheres, e que a infertilidade masculina não é rara nem vergonhosa. Essa mudança incentivaria um diagnóstico mais precoce e equilibrado, evitando anos de sofrimento desnecessário para as mulheres. Em segundo lugar, as estruturas regulatórias devem ser fortalecidas. O governo precisa fazer cumprir o licenciamento rigoroso para clínicas de fertilidade, monitorar as qualificações dos profissionais e reprimir as práticas de charlatanismo não regulamentadas que exploram famílias vulneráveis. Em terceiro lugar, os serviços de fertilidade acessíveis devem ser expandidos no sistema de saúde pública, particularmente em hospitais universitários e centros regionais, para que os casais não precisem depender apenas de cuidados privados caros. Em quarto lugar, o apoio psicossocial deve ser integrado aos cuidados de fertilidade. Os serviços de aconselhamento podem ajudar os casais a controlar o estresse, melhorar a comunicação conjugal e considerar opções de vida alternativas, como adoção, quando necessário. Também há a necessidade de confrontar a exploração de gênero embutida nas narrativas de infertilidade. Os homens devem ser incluídos nos protocolos de diagnóstico e tratamento como uma questão de prática padrão. Isso não apenas melhorará a precisão médica, mas também redistribuirá a responsabilidade dentro dos casamentos, reduzindo o ônus psicológico injusto colocado apenas nas mulheres. As proteções legais para mulheres sujeitas a abuso, abandono ou poligamia forçada devido à infertilidade devem ser fortalecidas e aplicadas. Acadêmicos religiosos e líderes comunitários podem desempenhar um papel importante na reformulação das narrativas culturais, enfatizando a compaixão, a responsabilidade compartilhada e a intervenção médica ética. A epidemia silenciosa de infertilidade e abuso reprodutivo no Paquistão não é apenas uma questão de saúde, mas uma profunda injustiça social. Priva as mulheres de dignidade, explora financeiramente as famílias e perpetua ciclos de desinformação e abuso. Se não for abordada, continuará a sobrecarregar o sistema de saúde, alimentar a charlatanice e prejudicar inúmeras vidas. Confrontar esse desafio requer coragem, empatia e visão política. Requer tratar a infertilidade não como um segredo vergonhoso, mas como uma condição médica legítima que merece cuidados e apoio. Requer reconhecer a humanidade das mulheres além de sua capacidade reprodutiva e responsabilizar os homens igualmente na jornada para a paternidade. E requer desmantelar as indústrias de lucro que prosperam com o desespero de casais vulneráveis. O Paquistão não pode mais se dar ao luxo de ignorar essa questão. Uma sociedade que mede as mulheres apenas pela sua capacidade de ter filhos é uma sociedade que nega a metade de sua população o direito à dignidade. Um sistema de saúde que permite que charlatães prosperem, ao mesmo tempo em que não consegue fornecer cuidados de fertilidade regulamentados, é um sistema cúmplice da exploração. Uma cultura que silencia os homens de reconhecer a infertilidade é uma cultura que perpetua a injustiça. O caminho a seguir reside na educação, regulamentação e compaixão. A epidemia silenciosa só pode ser quebrada se as vozes forem levantadas coletivamente para exigir que a infertilidade seja tratada com a seriedade, sensibilidade e integridade médica que merece.
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Esta matéria foi adaptada e reescrita pela equipe editorial do TudoAquiUSA
com base em reportagem publicada em
Pakistantoday
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