Vinte vibrantes araras-de-testa-vermelha voaram sobre uma reserva que abriga uma das últimas faixas intactas da Mata Atlântica no Brasil. As aves, com suas plumagens verde e vermelha, haviam desaparecido de Alagoas por gerações. Em janeiro de 2025, elas retornaram. Pesquisadores afirmam que a soltura das araras-de-testa-vermelha (Amazona rhodocorytha) é fundamental para a recuperação da espécie e a restauração de um ecossistema em declínio. De acordo com Luiz Fábio Silveira, vice-diretor do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, apenas 3% da Mata Atlântica permanece em Alagoas, tornando-a um dos ecossistemas mais ameaçados do planeta. As áreas remanescentes da Mata Atlântica em Alagoas estão em crise devido ao desaparecimento dos animais que dispersam sementes. Silveira explica que, sem essas criaturas, as árvores que dependem delas para propagar suas sementes estão morrendo e sendo substituídas por árvores cujas sementes são espalhadas pelo vento. A soltura na reserva florestal de mil hectares em Coruripe, fora da capital do estado, Maceió, faz parte do Projeto para Avaliação, Recuperação e Conservação de Aves Ameaçadas (ARCA), liderado por Silveira. “Não são apenas os animais, mas também seus sons que estão retornando à floresta”, disse Silveira à Mongabay, descrevendo vídeos enviados por monitores comunitários que mostram bandos de araras-de-testa-vermelha voando pela reserva. Semelhantes a grandes periquitos, as araras-de-testa-vermelha
eram comuns o suficiente para serem algumas das primeiras aves registradas quando os primeiros europeus chegaram ao que hoje é o Brasil, no ano de 1500. Mais de meio milênio depois, em dezembro de 2024, pesquisadores contaram apenas quatro araras-de-testa-vermelha selvagens em todo o estado de Alagoas, relatou Silveira. As aves foram levadas à quase extinção pela “sinergia entre a captura das últimas aves para o comércio ilegal e o desmatamento severo nas florestas remanescentes”, disse Silveira, “o que levou à falta de locais para nidificação e alimentação”. A soltura no início deste ano ocorreu em uma reserva florestal no município de Coruripe, de propriedade da Usina Coruripe, empresa de cana-de-açúcar, e reconhecida como Reserva da Biosfera pelo governo brasileiro. Representa um dos locais mais bem protegidos do estado, segundo Silveira. A reserva também abriga a maior população de pau-brasil (Paubrasilia echinata), a árvore que deu nome ao Brasil, fora do estado da Bahia. No entanto, mesmo nesta área protegida, sem animais que dispersam sementes, os processos naturais que mantêm a saúde da floresta foram interrompidos. As 20 araras liberadas em janeiro vieram de centros de resgate e de uma fundação de conservação. Nenhuma havia vivido na natureza antes, então passaram dois anos em um grande viveiro dentro da floresta, aprendendo a reconhecer alimentos naturais e a se adaptar aos padrões de chuva. As aves passaram por testes comportamentais para avaliar suas habilidades sociais, comportamento geral e medo de coisas novas, disse Silveira. Dez aves falharam nesses testes e permanecem em cativeiro para reprodução. As araras soltas são todas jovens e não terão idade suficiente para reproduzir até que tenham entre 5 e 8 anos, de acordo com Silveira. Isso significa que os primeiros filhotes nascidos na natureza provavelmente virão em 2027. Cuidar das aves soltas tem seus desafios, disse Silveira. O principal perigo é que elas voem para fora da floresta e se percam. As araras adultas enfrentam pouco risco de predadores, mas as aves em ninhos permanecem vulneráveis, disse ele. Uma equipe de funcionários da usina de açúcar, escolhida por Silveira por seu cuidado com a natureza, monitora as aves diariamente e envia atualizações em vídeo duas vezes por dia. O projeto ARCA começou em 2018 com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), criando uma nova abordagem para a conservação florestal em Alagoas. A parceria surgiu depois que o Ministério Público de Alagoas estabeleceu um programa para conservar espécies ameaçadas em 2017. O promotor Alberto Fonseca disse que o escritório queria deixar de simplesmente reagir aos danos ambientais depois que eles ocorressem. “O alto grau de degradação ambiental, especialmente no bioma da Mata Atlântica em Alagoas, impôs a necessidade de uma mudança de paradigma”, escreveu Fonseca em um e-mail para Mongabay. A nova abordagem, disse ele, “valoriza e prioriza ações preventivas”. Como a maioria dos fragmentos florestais são de propriedade privada de usinas de açúcar e álcool e são muito pequenos para que o governo os designe como parques nacionais, os pesquisadores trabalharam com o Ministério Público e grupos locais para converter essas áreas em Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs), de acordo com Silveira. Depois de persuadir os cartórios a abrir mão das taxas de registro que normalmente variam em milhares de dólares para estabelecer uma RPPN, o projeto protegeu mais de 5.000 hectares (cerca de 12.400 acres) de Mata Atlântica em Alagoas, disse Silveira. Apesar das ameaças contínuas do desmatamento, da caça e do comércio ilegal de aves, “é encorajador ver setores como a indústria da cana-de-açúcar, turismo, academia e organizações governamentais e não governamentais unidos na criação de áreas protegidas”, escreveu Fonseca. Além das araras-de-testa-vermelha, outros projetos de restauração de espécies estão em andamento aqui, incluindo para o mutum-de-alagoas (Mitu mitu), uma ave do tamanho de um peru que foi declarada extinta na natureza nos últimos 30 anos; foi reintroduzida aqui a partir de uma população em cativeiro em 2019. A reserva também abriga populações reintroduzidas do jacuaçu (Tinamus solitarius), uma ave que vive no solo, e da tartaruga-de-pés-vermelhos (Chelonoidis carbonarius). O projeto despertou o entusiasmo público. O mutum-de-alagoas se tornou a ave oficial do estado, inspirando celebrações de carnaval, corridas de rua e murais, de acordo com Silveira. As reintroduções estão rodando com um orçamento de US$ 500.000 por ano, com o dinheiro vindo da FAPESP, BluestOne, Usina Coruripe, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e doadores privados, de acordo com Silveira. “A população está começando a ter esses animais de volta em suas vidas diárias, e eles estão começando a sentir um grande orgulho em seu retorno”, disse Silveira. “Os moradores dessas regiões, em vez de quererem esses animais em suas casas [como animais de estimação], preferem vê-los na natureza.” A Mata Atlântica enfrenta pressão em todo o Brasil. Entre 2010 e 2020, a floresta perdeu uma área do tamanho de Washington, D.C., em árvores maduras a cada ano, apesar das leis federais de proteção. A maior parte desse desmatamento ocorreu ilegalmente em terras privadas desmatadas para a agricultura. A agricultura e a pecuária impulsionam a maior parte da perda, com as principais empresas do agronegócio, incluindo COFCO, Bunge e Cargill, ligadas à destruição da Mata Atlântica em suas cadeias de suprimentos de soja. A área que antes era coberta pela floresta abriga três quartos da população do Brasil, incluindo as mega cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, e representa 70% do PIB do país. Para Fonseca, há um significado mais amplo no trabalho de restauração do bioma: “Apesar de ter perdido mais de 90% de sua cobertura original, milhões de brasileiros usam água de fontes originárias do bioma da Mata Atlântica”. Por enquanto, o projeto de restauração em Alagoas não tem data de término prevista. As reintroduções continuarão até que as populações selvagens possam se sustentar – um objetivo que ainda está a anos de distância, mas se aproxima a cada bando de araras retornando ao dossel da floresta. Imagem de banner de araras-de-testa-vermelha (Amazona rhodocorytha) por Luiz Fábio Silveira. Liz Kimbrough é redatora da Mongabay e possui Ph.D. em Ecologia e Biologia Evolucionária pela Universidade Tulane, onde estudou os microbiomas das árvores. Veja mais de suas reportagens aqui.
📝 Sobre este conteúdo
Esta matéria foi adaptada e reescrita pela equipe editorial do TudoAquiUSA
com base em reportagem publicada em
Mongabay
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